Ondas de calor, secas e inundações sem precedentes causam impactos em cascata cada vez mais difíceis de gerenciar e mostram que a crise climática cobra um preço salgado. Além de expor milhões de pessoas à insegurança alimentar e hídrica e danificar as infraestruturas urbanas, eventos climáticos extremos ameaçam plantas e animais e levam à mortalidade em massa de espécies de árvores e corais.
Para evitar a perda crescente de vidas, biodiversidade e infraestrutura, uma ação ambiciosa e acelerada é necessária para o mundo se adaptar às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que faz cortes rápidos e profundos em suas emissões de gases de efeito estufa. Esta é a recomendação do novo relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que avalia a vulnerabilidade dos sistemas naturais e socioeconômicos frente às mudanças climáticas e opções de adaptação.
O IPCC é composto pelos principais cientistas climáticos do mundo, responsáveis por publicar atualizações abrangentes sobre o conhecimento global sobre mudanças climáticas e seus impactos, com o objetivo de orientar a formulação de políticas públicas. A nova publicação está sendo considerada a mais “sombria” já realizada.
Em um texto contundente que soa como um manifesto para tempos desafiadores, o secretário-geral da ONU, António Guterres, classifica o novo relatório GT II como um “atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória da falha de liderança climática”, e decreta: “agora é hora de transformar a raiva em ação”.
Segundo os mais de 200 cientistas de várias partes do mundo que assinam o estudo, até agora o progresso na adaptação é desigual e há crescentes lacunas entre medidas tomadas para enfrentar o problema. Essas lacunas são maiores entre as populações de baixa renda, mais vulneráveis e que, historicamente, menos contribuíram para essa crise. A análise segue o primeiro relatório do Grupo de Trabalho 1, divulgado ano passado, que avaliou os aspectos físicos das alterações climáticas.
O relatório fornece novos insights sobre o potencial da própria natureza não só para reduzir os riscos climáticos, mas também para melhorar a vida das pessoas. “Ecossistemas saudáveis são mais resilientes às mudanças climáticas e fornecem serviços críticos para a vida, como alimentos e água potável”, disse Hans-Otto Pörtner, copresidente do Grupo de Trabalho II do IPCC.
“Ao restaurar ecossistemas degradados, e conservando de forma eficaz e equitativa 30 a 50 por cento da terra do Planeta, habitats de água doce e oceânica, a sociedade pode se beneficiar da capacidade da natureza de absorver e armazenar carbono, e podemos acelerar o progresso rumo ao desenvolvimento sustentável”, destacou, ressaltando que o financiamento para as mudanças necessárias e o apoio político são essenciais.
Na prática, governos, setor privado e sociedade civil devem trabalhar juntos para a redução de riscos, tendo como norte a busca por equidade e justiça na tomada de decisões e no investimento. “Dessa forma, diferentes interesses, valores e visões de mundo podem ser conciliados. Ao reunir conhecimento científico e tecnológico, bem como o conhecimento indígena e local, as soluções serão mais efetivas”, acrescentou Débora Roberts, também copresidente do GT II do IPCC.
Ao mesmo tempo vítimas e vilãs das mudanças climáticas, as cidades concentram mais da metade da população mundial e a maioria das atividades econômicas. Para agravar, a maior parte do crescimento populacional esperado para os próximos anos ocorrerá em cidades de países em desenvolvimento, que sofrem rápida urbanização sem planejamento adequado, como Índia e Brasil.
Chuvas mais intensas em um curto espaço de tempo, como as que vimos em Petrópolis, poderão piorar as enchentes e alagamentos tão comuns hoje em dia, além de carregar poluentes para os cursos de água, enquanto secas severas podem aumentar os incêndios florestais e pressionar o abastecimento hídrico. Resultado: mais danos à infraestrutura críticas das cidades e prejuízos para a saúde, a vida e os meios de subsistência das pessoas.
“Mas as cidades também oferecem oportunidades para a ação climática. Edifícios verdes, suprimentos confiáveis de água e energia renovável, e sistemas de transporte sustentáveis que conectem áreas urbanas e rurais, tudo isso pode levar a uma sociedade mais inclusiva e mais justa”, observou Debra Roberts.
Janela de tempo está fechando
O Painel destaca algumas medidas de adaptação fundamentais para o mundo enfrentar o desafio climático. Vai ser preciso agir em várias frentes, como recursos hídricos, gestão de risco aos desastres naturais, infraestrutura urbana, atividades industriais, zonas costeiras, saúde, entre outros.
Considerando que a mudança climática é um desafio global mas que exige soluções locais, o GT II do IPCC fornece informações regionais extensas para aumentar a resiliência das sociedades e ambientes.
O relatório afirma claramente que o “desenvolvimento resiliente ao clima” já é um desafio diante dos níveis de aquecimento atual e que ele se tornará mais limitado se o aquecimento global exceder 1,5°C. Em algumas regiões atingir a resiliência será impossível se a alta da temperatura média mundial exceder 2°C, adverte. Este dado mostra porque a ação climática é tão urgente e porque ela deve ser guiada pela equidade e justiça.