Artigo – Polinização agrícola: o serviço das abelhas que põe comida na mesa
Por Breno M. Freitas
A polinização consiste na transferência de grãos de pólen da parte masculina de uma flor para a parte feminina desta mesma flor – ou de outra flor da mesma planta (autopolinização) ou de outra planta da mesma espécie (polinização cruzada). A polinização é importante porque a maioria das plantas só produz frutos e sementes e, portanto, reproduz através desse processo. Assim, a polinização é um serviço do ecossistema que é fundamental para a reprodução de plantas com flores e a manutenção da vegetação silvestre e é essencial para cerca de um terço da produção mundial de alimentos.
A maioria das plantas com flores depende de agentes externos para a polinização, como o vento, a água, a gravidade ou os animais. Estes desempenham papel relevante, pois mais de 300 mil espécies de plantas com flores do mundo (87,5%) são polinizadas por animais. Entre eles, as abelhas constituem mais de 50% dos visitantes florais.
Mas o serviço de polinização realizado pelas abelhas está em perigo. Uma série de mudanças globais que vem acontecendo recentemente tem impactado as populações de polinizadores e os serviços de polinização por eles prestados. Mudanças na gestão e no uso da terra, no clima, no uso de produtos químicos danosos à saúde das abelhas e a disseminação de pragas e doenças vêm levando a um declínio na diversidade e na abundância de polinizadores, principalmente nos sistemas agrícolas.
Produção de alimentos
A população humana atualmente é de 7 bilhões de pessoas e se projeta um acréscimo de mais 1 bilhão de pessoas ao final dos próximos 13 anos. Até o momento, a matriz de produção de alimentos global tem se baseado na expansão da fronteira agrícola, tendo aumentado 130% nos últimos 50 anos ao custo do crescimento em 30% da área cultivada. No entanto, as terras agricultáveis do mundo são limitadas e essa política expansionista está chegando ao seu limite. Já está claro que o simples aumento da área plantada não conseguirá atender a demanda em breve, e esse modelo terá que ser substituído por um mais produtivo, no qual aumentos na produção sejam decorrentes de incrementos na produtividade, e não da área cultivada.
Para tanto, a polinização agrícola desempenha papel fundamental para que cada planta consiga alcançar o seu potencial produtivo máximo. Essa realidade, contudo, só será possível com populações de polinizadores diversos e abundantes. O avanço agrícola atual sobre as áreas ainda cobertas por vegetação nativa está destruindo habitats essenciais para os polinizadores que, além de garantirem a perpetuação das plantas silvestres daquele ambiente, eventualmente visitariam as culturas agrícolas e polinizariam as plantas lá cultivadas.
Além disso, esses desmatamentos, para a conversão de matas em áreas agrícolas – além daqueles para a conversão em pastagens, extração de madeira, produção de carvão ou tantos outros motivos –, acabam também causando alterações espaciais e temporais nas complexas redes de interações de polinização envolvendo populações de polinizadores e plantas, desestruturando ecossistemas e afetando a sobrevivência e/ou o tamanho populacional de várias espécies de polinizadores, marcadamente as abelhas.
A polinização agrícola é naturalmente reconhecida como um fator de produção fundamental em cultivos altamente dependentes desses serviços, como o melão, a maçã e o maracujá, mas recentemente ela também tem sido considerada relevante em culturas geralmente tidas como pouco dependentes, mas de grande importância econômica e social, a exemplo da soja, do feijão e do caupi. Isso tem ocorrido porque quebras em produtividade ou mesmo produtividades abaixo do potencial produtivo das culturas, que incorrem em prejuízos econômicos ou menor lucratividade, vem sendo associados à perda de polinizadores em áreas agrícolas. Tal fato chama atenção para a necessidade de se compreender como variações na dinâmica da população de polinizadores se traduzem em benefícios sociais e monetários e para conhecer como os serviços de polinização contribuem para o setor agrícola e a sociedade em geral.
Práticas amigáveis
Portanto, a agricultura mundial está chegando ao seu ponto sem retorno. Torna-se urgente ela decidir se mudará do atual modelo de incremento da produção, baseada no aumento da área agrícola, para um respaldado pela produtividade, aceitando a polinização agrícola como um fator do seu sistema de produção – e, para tanto, incorporando práticas amigáveis aos polinizadores e seus habitats naturais – ou se continuará com o modelo expansionista atual, pouco preocupado com os serviços de polinização e seus prestadores – e não sustentável ao longo prazo. Se assim for, incorre no risco de, ao perceber esse erro, já ser tarde demais para voltar atrás.
Todo sistema tem um nível de resiliência que faz com que qualquer impacto até aquele ponto possa ser absorvido e compensado. Por outro lado, impactos acima daquele nível não podem ser contornados e a situação se torna irreversível. Não sabemos qual é o ponto de não retorno dos serviços de polinização ofertado pelos polinizadores silvestres e mesmo manejados, mas o declínio de suas populações e as perdas de produtividade agrícola associadas à falta desses serviços são sinais significativos de que ele não deve estar longe.
Breno Magalhães Freitas é professor e pesquisador do Depto. de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colaborador da A.B.E.L.H.A.