A tangerineira (Citrus reticulata) é uma árvore que pertence à família Rutaceae e é originária do Sudeste da Ásia. No Brasil, é cultivada principalmente na região Sudeste, com destaque para o Estado de São Paulo, em plantações abertas.
Polinização por animais
A tangerineira é um cultivo essencialmente dependente da visita de insetos polinizadores, principalmente as abelhas, para a fecundação das flores. Isso significa que, se todo um pomar fosse isolado e suas flores não recebessem visitas de seus polinizadores, haveria uma redução de mais de 90% na produção de tangerinas (BPBES 2019). Ao visitarem as flores, as abelhas realizam a transferência de pólen (que contém o gameta masculino) de uma flor até a parte feminina de outra – o que garante a fecundação e, logo, a formação do fruto.
Um exemplo de variedade que se beneficia da polinização cruzada realizada pelas abelhas é a Murcott, que é um híbrido entre a tangerina (C. reticulata) e a laranja (C. sinensis). Nesta variedade é até possível a produção de frutos por autopolinização, mas quando suas flores são polinizadas pelo pólen proveniente de árvores da variedade de tangerina Ponkan ou de laranjeiras da variedade Pera Rio, há um incremento no número médio de frutos fixados. Além disso, essa polinização cruzada entre as diferentes variedades não resulta em aumento do número de sementes, característica que pode diminuir o valor de mercado e a aceitação de frutas cítricas pelos consumidores (Azevedo e Pio 2002).
Para se ter uma ideia da importância da Murcott para a citricultura brasileira, ela representa quase metade da área de tangerinas plantadas no cinturão citrícola, que abrange grandes produtores localizados em municípios dos Estados de São Paulo e Minas Gerais (Fundecitrus 2020).
Visita das abelhas
As flores da tangerineira disponibilizam néctar e pólen e são bastante atrativas para várias espécies de abelhas, que coletam preferencialmente o néctar. A abelha-africanizada (Apis mellifera) e duas espécies de abelhas sem ferrão, a jataí (Tetragonisca angustula) e a arapuá (Trigona spinipes), são exemplos de polinizadores da tangerineira — sendo a abelha-africanizada o polinizador mais abundante nas flores (Nascimento et al. 2011).
Além da Murcott, a Ponkan é outra variedade muito cultivada e perfaz mais de 40% da área de tangerinas plantadas no cinturão citrícola (Fundecitrus 2020). Enquanto a época de produção da Ponkan geralmente ocorre de março a setembro, a da Murcott pode durar de junho a janeiro (Donadio et al. 1998).
Ganhos para os dois lados
Os produtores de tangerina não costumam utilizar o serviço comercial de polinização para aumentar a produção de frutos. Mas a oportunidade é grande, já que as frutas cítricas, principalmente a laranja, são uma das mais importantes para o setor apícola no Estado de São Paulo e são muito procuradas pelos apicultores durante o período de floração para a instalação de colmeias visando a produção de mel. O néctar das flores das diferentes espécies de Citrus é altamente atrativo para as abelhas-africanizadas.
No caso de pomares de Murcott plantados próximos ou intercalados aos de tangerina Ponkan e de laranja Pera Rio, ocorrerá o aumento no número de frutos sem o incremento no número de sementes quando da polinização cruzada com essas variedades (Azevedo e Pio 2002).
Vale destacar que, para obter sucesso na introdução de colmeias para uma polinização agrícola adequada, é preciso planejamento com base nas características das variedades cultivadas e das abelhas. Também é importante evidenciar que, em um contexto de parceria, com o aluguel de colmeias pelos produtores de tangerina, é essencial a existência de comunicação contínua com os apicultores para uma convivência sinérgica e produtiva, permitindo a tomada de decisões em comum acordo, incluindo a transferência das colmeias para áreas seguras ou fechamento das colmeias antes, durante e algum tempo após a pulverização nos casos em que tal manejo for necessário.
Produção e Exportação
A produção brasileira de tangerinas em 2020, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de mais de 1 milhão de toneladas, com um valor de produção de quase R$ 1,2 bilhões. Os polinizadores contribuíram com mais de R$ 1,1 bilhão do valor total de produção de 2020 (cálculo realizado com base na metodologia de Giannini et al. 2015), que corresponde ao montante que os produtores deixariam de ganhar sem o serviço de polinização realizado pelas abelhas.
De acordo com o IBGE, os maiores produtores foram São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, que somaram 84% da produção brasileira em 2020. O Estado de São Paulo liderou com 33% da produção (337,4 mil toneladas), seguido por Minas Gerais, com 24% (244,5 mil toneladas), Paraná, com 15% da produção (157,6 mil toneladas), e Rio Grande do Sul, com 12% da produção (122,2 mil toneladas). Os municípios de Cerro Azul (PR) (99 mil toneladas), Campanha (40 mil toneladas) e Belo Vale (37,5 mil toneladas), ambos em Minas Gerais, foram os maiores produtores de tangerina.
O Brasil também é um exportador do fruto. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS), com dados compilados do sistema AGROSTAT/MAPA, o Brasil exportou quase 237,4 toneladas de tangerinas em 2020. Em 2021, apesar da diminuição de 8% nas exportações (218,1 toneladas), o faturamento foi maior (US$ 250,3 mil em comparação a US$ 235,8 mil do ano anterior).
Práticas amigáveis aos polinizadores
Além do potencial uso de colmeias da abelha-africanizada para a polinização das flores da tangerineira, é essencial adotar práticas de manejo para promover a atração e a permanência das abelhas e outros polinizadores nas propriedades, pois sua presença também promove a melhoria de outros serviços ambientais, como a regulação natural de populações de pragas, a proteção dos mananciais de água e a fertilidade do solo.
As abelhas não sobrevivem apenas com os recursos disponibilizados pelos cultivos, assim é fundamental que existam na propriedade fontes alternativas de pólen e néctar no período em que as plantações de tangerinas não estão florescendo. A conservação e a recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RLs), conforme determina o Código Florestal Brasileiro, bem como o plantio de espécies de plantas nativas ao redor dos cultivos, fornecem alimento ao longo do ano e substratos para a construção de ninhos pelos polinizadores.
A pulverização de defensivos agrícolas deve ser evitada no período de floração, mas se o tratamento fitossanitário for indispensável para evitar danos econômicos na lavoura, cuidados especiais devem ser adotados para não atingir os polinizadores, como dar preferência a técnicas agronômicas de Manejo Integrado de Pragas (MIP).
A pulverização deve ser realizada com produtos de baixa toxicidade para as abelhas, ao final da tarde ou pela noite, quando elas não estão em atividade no campo. Foi observado que a abelha-africanizada e a arapuá mantêm suas atividades constantes ao longo do dia e visitam as flores da tangerineira das 6h às 18h. A jataí inicia suas atividades após as 8h e diminui as visitas nas flores após às 14h (Nascimento et al. 2011).
É essencial seguir todas as recomendações presentes nos rótulos e bulas, observando rigorosamente as boas práticas de tecnologia de aplicação dos produtos, incluindo medidas para evitar a deriva (porção do defensivo aplicado que não atinge o alvo desejado).
Em um contexto de parceria com o agricultor, vale ressaltar que o apicultor deve adotar as melhores práticas de manejo apícola, de acordo com a época do ano, visando à manutenção de colmeias populosas, saudáveis e adequadas para a polinização das plantações. Também é importante sinalizar a propriedade com placas, a uma distância mínima de 200 m do apiário, sobre a existência de colmeias para garantir a segurança dos colaboradores que trabalham na área e cadastrar-se na Defesa Agropecuária da Secretaria de Agricultura estadual para fins de identificação da atividade e monitoramento de sanidade apícola.
Texto produzido pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), em colaboração com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS).
Referências
Azevedo FA e Pio RM (2002) Estudo da polinização na redução do número de sementes do tangor “Murcott”. Revista Laranja 23: 489-497.
BPBES (2019) Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil. Disponível em: https://www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/03/BPBES_CompletoPolinizacao-2.pdf.
Donadio LC et al. (1998) Tangerinas ou Mandarinas. Boletim Citrícola. Jaboticabal, SP: Funep.
Fundecitrus (2020) Inventário de árvores e estimativa da safra de laranja no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro. Disponível em: https://www.fundecitrus.com.br/pdf/pes_relatorios/2020_05_26_Invent%C3%A1rio_e_Estimativa_do_Cinturao_Citricola_2020-20212.pdf.
Giannini TC et al. (2015) The Dependence of Crops for Pollinators and the Economic Value of Pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108, 849-857.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal (2020) Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html?=&t=sobre. Acesso em: 25 mai 2022.
Klein AM et al. (2020) A Polinização Agrícola por Insetos no Brasil. Um Guia para Fazendeiros, Agricultores, Extensionistas, Políticos e Conservacionistas. Albert-Ludwigs University Freiburg, Nature Conservation and Landscape Ecology.
Nascimento ET et al. (2011) Diversidade de abelhas visitantes das flores de Citrus em pomares de laranjeira e tangerineira. Revista Brasileira de Fruticultura 33, 111-117.