Morango
O morangueiro (Fragaria × ananassa) é uma erva que pertence à família Rosaceae, a mesma das rosas ornamentais plantadas nos jardins. No Brasil, é cultivado principalmente nos Estados das regiões Sul e Sudeste, em campos abertos ou cultivos protegidos em túneis ou estufas. Originalmente, é um cultivo produzido de um cruzamento entre uma espécie chilena, uma europeia e outra norte-americana (Klein et al. 2020).
Polinização por animais
As flores do morangueiro podem se autopolinizar com a ação da gravidade, do vento e da visita de insetos. Isso significa que uma flor pode ser fertilizada e se desenvolver em um morango ao receber seu próprio pólen ou o pólen de outras flores da mesma planta. Porém, quando uma flor recebe o pólen de flores de outras plantas da lavoura – polinização cruzada – há, principalmente, uma melhora na qualidade dos frutos (Malagodi-Braga e Kleinert 2007; Witter et al. 2012; Barbosa e Orth 2020).
Na verdade, o morango é um pseudofruto, pois sua polpa vermelha resulta do desenvolvimento de uma parte da flor denominada receptáculo, que acumula açúcares, vitaminas e amadurece. Os frutos verdadeiros são os pontinhos amarelos ou pretos incrustados na polpa, denominados aquênios. Cada aquênio origina-se de um óvulo que, após ser fertilizado pelo grão de pólen, cresce e também promove o crescimento do receptáculo, formando a polpa do morango. Para simplificação, tratamos como fruto o conjunto constituído pelo receptáculo e os aquênios. |
O comportamento de visita de diferentes espécies de abelhas resulta em uma distribuição uniforme do pólen nos pistilos – estrutura feminina da flor que contém o óvulo –, produzindo frutos bem formados e até mesmo mais pesados (Malagodi-Braga e Kleinert 2007; Scheid et al. 2020).Nas variedades em que são conhecidos os benefícios da polinização cruzada, a dependência de polinizadores é maior nas flores primárias, que dão origem aos frutos de maior tamanho – e também maior valor comercial. As flores primárias florescem primeiro e possuem mais óvulos, por isso necessitam de um maior número de visitas para serem completamente polinizadas (Malagodi-Braga 2018).No morangueiro, a polinização cruzada é realizada por abelhas e sua contribuição na produção de melhores morangos pode variar em menor ou maior grau, dependendo da morfologia e fisiologia floral da variedade (Malagodi-Braga 2018). Assim, o morangueiro é classificado como um cultivo que apresenta dependência moderada de polinização cruzada (Giannini et al. 2015).
Os morangos polinizados pelas abelhas também possuem uma coloração vermelha mais intensa, são mais firmes e duram mais tempo nas prateleiras (Malagodi-Braga 2018). A cor mais intensa, por exemplo, é uma característica importante pois está relacionada a um melhor valor nutricional da fruta.
Visita das abelhas
As flores do morangueiro são bastante atrativas a diversas espécies de abelhas, pois disponibilizam pólen e néctar em abundância. Entre os polinizadores está a abelha-africanizada (Apis mellifera) e diferentes espécies de abelhas sem ferrão, como jataí (Tetragonisca angustula), jataí-da-terra (Paratrigona spp.), mirim (Plebeia spp.) e mombuca (Geotrigona spp.). Nas lavouras também é comum encontrar nas flores espécies metálicas do gênero Dialictus (Malagodi-Braga 2018; BPBES 2019; Scheid et al. 2020).
Os períodos de floração e colheita do morango ocorrem durante o ano todo. As variedades mais comuns nos mercados e hortifrutis brasileiros são Albion, Aromas, Camarosa, Camino Real, Cristal, Diamante, Festival, Monterrey, Oso Grande, Alomar, Portola, San Andreas e Ventana (Klein et al. 2020).
Ganhos para os dois lados
Em campo aberto, estudos já mostraram a importância da existência de uma diversidade de abelhas para um melhor rendimento do morangueiro, principalmente para a polinização das flores primárias, que dão origem aos frutos de maior valor comercial. Assim, é essencial adotar práticas amigáveis aos polinizadores para mantê-los na propriedade (veja as melhores práticas abaixo).
Em algumas situações, a polinização oferecida pela natureza não basta para obter boa produção agrícola. Isso ocorre em áreas distantes das áreas de vegetação nativa ou em áreas cultivadas com paisagem nativa muito deteriorada. Neste cenário, o aluguel ou a aquisição de colônias para introduzir nas plantações durante a floração é uma solução viável para mitigar o déficit de polinização – diferença entre o que é produzido e o potencial máximo de produção da planta. Inclusive, é cada vez mais comum o manejo de abelhas ou a contratação de serviço comercial de polinização pelos produtores de morango.
Neste Comunicado Técnico publicado pela Embrapa (Malagodi-Braga 2018), o produtor poderá aprender como diagnosticar déficit de polinização em sua lavoura de morango para, assim, ser capaz de tomar as melhores decisões visando a melhora da produtividade.
As plantações em ambientes protegidos, a exemplo de estufas, demandam obrigatoriamente a introdução de colmeias, uma vez que não há naturalmente a presença de visitantes florais e nem do vento. Salvo as estufas que possuem as bordas abertas, pois neste caso os polinizadores têm acesso livre às plantas.
A abelha sem ferrão jataí é uma das espécies mais indicadas pelo fácil manejo e disponibilidade de colônias. Em um estudo realizado no Estado de São Paulo, recomenda-se o uso de, no mínimo, uma colmeia para cada 1.350 plantas para uma completa polinização das flores primárias na variedade Oso Grande (Malagodi-Braga e Kleinert 2004). Para as variedades Oso Grande, Tudla e Chandler, em um estudo em ambiente protegido no Rio Grande do Sul os autores chegaram ao número de quatro colmeias de jataí para cada 170 m2 de área protegida para uma polinização adequada (Antunes et al. 2007).
Outra espécie de abelha sem ferrão que apresentou potencial para a polinização do morangueiro em ambiente protegido no Rio Grande do Sul foi a mirim (Plebeia nigriceps). Colmeias de mirim foram usadas para a polinização das variedades Aromas, Diamante e Cegnidarem. A variedade Aromas foi a mais beneficiada pela polinização da mirim, resultando em frutos mais pesados comparados aos produzidos por autopolinização. Observou-se também que apenas uma colônia foi eficiente para polinizar 1.344 plantas dessa variedade (Witter et al. 2012).
A abelha-africanizada também foi testada em ambiente protegido em quatro variedades – Camarosa, Oso Grande, Diamante e Aromas – e os resultados foram comparados ao tratamento sem abelhas. Na presença da abelha-africanizada, houve maior produção de frutos na variedade Camarosa. Em Oso Grande foram produzidos frutos mais bem formados e também mais doces. Já os frutos em Aromas apresentaram coloração vermelha mais intensa na presença das abelhas (Calvete et al. 2010).
Vale ressaltar que o manejo de abelhas em estufas é um procedimento delicado e que exige conhecimentos prévios para uma eficiente polinização do cultivo e bem-estar das colônias.
No Paraná, um estudo conduzido em uma plantação da variedade San Andreas em estufa, porém com as bordas abertas, observou que as flores que receberam visitas da abelha-africanizada, mirim (Plebeia spp.) e de espécies do gênero Dialictus, originaram mais frutos bem formados, e também mais pesados, quando comparadas ao grupo que não recebeu a visita de polinizadores. Isso mostra a importância da complementaridade das diferentes espécies de abelhas para a formação de melhores frutos (Scheid et al. 2020).
Produção e Exportação
Segundo os últimos dados publicados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o Brasil ocupou, em 2019, a 17º posição entre os maiores produtores de morango, com uma produção de 165,4 mil toneladas (FAO 2019). Segundo dados mais recentes, organizados pela Embrapa com a colaboração de outras instituições, em 2020, o Brasil teve uma produção de 218,8 mil toneladas de morango. A cultura é praticada, principalmente, por pequenos produtores rurais que utilizam a mão-de-obra familiar, sendo a maior parte da produção destinada ao mercado interno in natura (Antunes et al. 2021).
Os maiores produtores foram os Estados de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo, que somaram 83% da produção brasileira em 2020. Minas Gerais liderou com 55% da produção (120 mil toneladas), seguido por Rio Grande do Sul, com 12% (26,6 mil toneladas), Paraná, com 10% da produção (21,4 mil toneladas), e São Paulo, com 6% da produção (13,8 mil toneladas).
O Brasil também é um exportador de morangos, mas a participação no mercado externo ainda é pequena. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS), com dados compilados do sistema AGROSTAT/MAPA, o Brasil exportou 220 toneladas de morangos em 2019, a um valor de quase US$ 495,2 mil. Em 2020 houve uma queda de 60% nas exportações, com um faturamento de US$ 239,8 mil.
Práticas amigáveis aos polinizadores
Por serem comumente comercializados in natura, a aparência é uma das principais características considerada pelos consumidores na compra de morangos. Uma vez que a polinização das flores pelas abelhas resulta em frutos bem formados, firmes e de coloração vermelha mais intensa, os produtores de cultivos em campo aberto devem adotar práticas de manejo para promover a atração e a permanência dos polinizadores em suas propriedades. Uma medida adicional para a polinização dos plantios é o uso de colmeias de jataí e da abelha-africanizada. Em cultivos de ambiente protegido, inclusive, essa prática é obrigatória para melhorar o rendimento de algumas variedades.
O Comunicado Técnico publicado pela Embrapa apresenta recomendações para melhorar o manejo dos polinizadores nos cultivos de morangueiro em campo aberto, os quais destacamos abaixo:
- Cultivar o morangueiro próximo à vegetação natural e restaurar e diversificar áreas florestadas próximas da lavoura. Para isso, são essenciais a conservação e a recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RLs), pois tais medidas fornecem alimento ao longo do ano e substratos para a construção de ninhos pelos polinizadores;
- Adotar método de irrigação que não interfira na atratividade da florada, como o gotejamento, pois a aspersão remove o néctar e o pólen das flores, impedindo a visita de polinizadores. Caso a aspersão seja necessária, utilizá-la somente após as 14h;
- Realizar a limpeza das plantas de morangueiro, tornando as flores mais visíveis e acessíveis aos polinizadores;
- Em cultivos convencionais, usar prioritariamente o Manejo Integrado de Pragas (MIP) e o controle biológico;
- Não eliminar as plantas espontâneas da propriedade, mesmo que floresçam na mesma época da lavoura ou em outras épocas, pois elas complementam a alimentação das abelhas e, em geral, não afetam a polinização do morangueiro. No entanto, é preciso estar atento à presença de outros cultivos cuja florada pode deslocar as abelhas das flores do morangueiro, como é o caso do nabo-forrageiro, uma planta muito atrativa que deve ser manejada fora da época de florescimento do morangueiro.
A pulverização de defensivos agrícolas deve ser evitada no período de floração, mas se o tratamento fitossanitário for indispensável para evitar danos econômicos na lavoura, cuidados especiais devem ser adotados para não atingir as abelhas, como também dar preferência a técnicas agronômicas de Manejo Integrado de Pragas (MIP).
Além disso, a pulverização deve ser realizada com produtos de baixa toxicidade para as abelhas, ao final da tarde ou pela noite, quando elas não estão em atividade no campo ⎯ o horário de visita nas flores de morango varia conforme a espécie de visitante e variedade cultivada. Mas, no geral, os estudos têm observado que os picos de visitação nas flores ocorrem até as 14h (Scheid et al. 2020).
Também é essencial seguir todas as recomendações presentes nos rótulos e bulas dos defensivos agrícolas usados, observando rigorosamente as boas práticas de tecnologia de aplicação dos produtos, incluindo medidas para evitar a deriva (porção do defensivo aplicado que não atinge o alvo desejado).
Texto produzido pela A.B.E.L.H.A.
Referências
Antunes LEC et al. (2021) Morango – Produção aumenta ano a ano. Campo e Negócios: Anuário HF 2021, 87-90.
Antunes OT et al. (2007) Produção de cultivares de morangueiro polinizadas pela abelha jataí em ambiente protegido. Horticultura Brasileira 25, 94-99.
Barbosa JF e Orth AI (2020) Importância da polinização biótica na produtividade de Fragaria × ananassa (Duchesne ex Weston) Duchesne ex Rozier ‘Aromas’ e a diversidade e abundância de abelhas em áreas de cultivo convencional e orgânico. Acta Biológica Paranaense 49, 37-66.
BPBES (2019) Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil. Disponível em: https://www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/03/BPBES_CompletoPolinizacao-2.pdf.
Calvete EO et al. (2010) Polinização de morangueiro por Apis mellifera em ambiente protegido. Revista Brasileira de Fruticultura 32, 181-188.
FAO (2019) Food and Agriculture Organization of the United Nations. FAOSTAT. Disponível em http://www.fao.org/faostat/en/#data. Acesso em: 23 ago. 2021.
Giannini TC et al. (2015) The Dependence of Crops for Pollinators and the Economic Value of Pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108, 849-857.
Klein AM et al. (2020) A Polinização Agrícola por Insetos no Brasil. Um Guia para Fazendeiros, Agricultores, Extensionistas, Políticos e Conservacionistas. Albert-Ludwigs University Freiburg, Nature Conservation and Landscape Ecology.
Malagodi-Braga KS (2018) A polinização como fator de produção na cultura do morango. Comunicado Técnico 56. Jaguariúna, SP: Embrapa Meio Ambiente.
Malagodi-Braga KS e Kleinert AMP (2004) Could Tetragonisca angustula Latreille (Apinae, Meliponini) be effective as strawberry pollinator in greenhouses? Australian Journal of Agricultural Research 55, 771-773.
Malagodi-Braga KS e Kleinert AMP (2007) Como o comportamento das abelhas na flor do morangueiro (Fragaria ananassa Duchesne) influencia a formação dos frutos? Bioscience Journal 23, 76-81.
Scheid L et al. (2020) Eficácia de abelhas como polinizadores do morangueiro (Fragaria x ananassa Duch., cultivar San Andreas) no Sul do Brasil. Luminária 22, 06-17.
Witter S et al. (2012) Desempenho de cultivares de morango submetidas a diferentes tipos de polinização em cultivo protegido. Pesquisa Agropecuária Brasileira 47, 58-65.