O maracujazeiro (Passiflora edulis) é uma trepadeira que pertence à família Passifloraceae e é nativa do Brasil. Ele é cultivado em quase todo o País, com destaque para os Estados da Bahia, do Ceará, de Santa Catarina, de Minas Gerais e de São Paulo, em plantações abertas (Klein et al. 2020).
Polinização por animais
O maracujazeiro apresenta flores autoincompatíveis, ou seja, o grão de pólen produzido por uma flor não pode fecundá-la ou fecundar as outras flores da mesma planta. Para a formação de frutos é necessário que o pólen seja trocado entre indivíduos diferentes, assim, o maracujazeiro é um cultivo essencialmente dependente de polinização cruzada para a fecundação das flores (Klein et al. 2020).
Por ser essencialmente dependente de polinização cruzada, se toda uma plantação de maracujazeiro fosse isolada e suas flores não recebessem visitas de seus polinizadores, haveria uma redução de mais de 90% na produção de maracujá. Ao visitarem as flores, os polinizadores realizam a transferência de pólen (que contém o gameta masculino) de uma flor até a parte feminina de outra – o que garante a fecundação e, logo, a formação do fruto.
Visita das abelhas
As flores do maracujazeiro são bastante atrativas para várias espécies de abelhas, que visitam as flores para coletar o néctar produzido e acumulado na câmara nectarífera, localizada na base da flor. Uma característica importante da flor do maracujá é a existência de uma extensão do receptáculo ⎯ o androginóforo ⎯ , que sustenta os órgãos masculinos e femininos da flor acima das pétalas e, portanto, distante da câmara nectarífera.
Isso requer a visita de abelhas de grande porte para realizar a polinização, pois, ao buscarem o néctar, essas abelhas tocam as anteras com o tórax, deixando o pólen depositado no dorso. Ao pousarem em outra flor, entram em contato com o estigma ⎯ estrutura feminina da flor ⎯ com o seu tórax cheio de pólen, polinizando a flor. As abelhas menores não polinizam as flores do maracujá, pois, em função de seu pequeno tamanho, não tocam as estruturas reprodutivas das flores (Silva et al. 2014; Klein et al. 2020).
Os períodos de floração e colheita geralmente ocorrem durante o ano todo. As variedades cultivadas no Brasil incluem: BRS Gigante Amarelo, BRS Ouro Vermelho, BRS Rubi do Cerrado, BRS Sol do Cerrado, FB 200, Golden Star e Marília (Klein et al. 2020).
As espécies de abelhas popularmente conhecidas como mamangavas-de-toco, do gênero Xylocopa, são os principais polinizadores do maracujazeiro. Essas abelhas são facilmente percebidas pelos agricultores ⎯ as fêmeas geralmente são de cor preta e os machos são amarelados ou alaranjados. Duas das espécies mais comuns nas plantações são a Xylocopa frontalis e a X. grisescens, mas outros exemplos de polinizadores são Bombus morio e B. pauloensis, conhecidas como mamangavas-de-chão, a abelha-de-óleo Epicharis flava e a abelha-das-orquídeas Eulaema nigrita (Siqueira et al. 2009; Giannini et al. 2020).
Pilhadores
Também é comum a presença nas flores do maracujazeiro da abelha-africanizada (Apis mellifera) e da arapuá (Trigona spinipes), uma espécie de abelha sem ferrão. Como são espécies de pequeno porte, não realizam a polinização e atuam como visitantes florais que pilham o pólen e o néctar.
A abelha-africanizada visita as flores do maracujazeiro para coletar o pólen e, como não contacta os estigmas, prejudica a polinização ao diminuir a quantidade de pólen disponível aos polinizadores, causando queda na produção. Uma alternativa para deslocar a abelha-africanizada das flores do maracujazeiro é o plantio na propriedade de outras espécies, cultivadas ou nativas, que sejam atrativas para a coleta de pólen e néctar (Silva et al. 2014).
As espécies vegetais a serem plantadas variam de acordo com a vegetação nativa de cada local, mas bons exemplos são o girassol (Helianthus annuus), cosmos (Cosmos sulphureus), pitanga (Eugenia uniflora), aroeira (Schinus terebinthifolia), capixingui (Croton floribundus) e cipó-uva (Serjania spp.).
Já a visita da arapuá tem um efeito positivo na produção do maracujá ao coletar o néctar. A arapuá pilha o néctar por meio de perfurações na base dos botões florais, onde está localizada a câmara nectarífera. Esse comportamento resulta na redução do volume de néctar e, com isso, os polinizadores visitam um número maior de flores para coletar recurso suficiente para suprir suas necessidades. Ao visitarem mais flores, os polinizadores aumentam o número de flores polinizadas no maracujazeiro.
Porém, quando a arapuá coleta o pólen, o efeito é o mesmo causado pela abelha-africanizada: diminui a quantidade de pólen disponível para os polinizadores, prejudicando a formação de frutos (Silva et al. 2014). Nesse caso, também devem ser plantadas espécies para deslocar a arapuá das flores do maracujazeiro, a exemplo de girassol, cosmos, abóbora (Cucurbita maxima) e goiaba (Psidium guajava).
Nestes calendários de floração há uma seleção de plantas nativas visitadas para a coleta de alimento por Apis mellifera e outras abelhas em municípios do Estado de São Paulo. Outra fonte de informação é o InfoAB.E.L.H.A., que reúne espécies de plantas visitadas por diferentes espécies de abelhas.
Produção e Exportação
O Brasil é o maior produtor mundial de maracujá. A produção brasileira em 2019, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 593,4 mil toneladas, com um valor de produção de R$ 1,18 bilhão. Os polinizadores contribuíram com R$ 1,12 bilhão do valor total de produção de 2019 (cálculo realizado com base na metodologia de Giannini et al. 2015), que corresponde ao montante que os produtores deixariam de ganhar sem o serviço de polinização realizado pelas abelhas.
De acordo com o IBGE, os maiores produtores foram a Bahia, o Ceará e Santa Catarina, que somaram 60% da produção brasileira em 2019. O Estado da Bahia liderou com 28% da produção (168,4 mil toneladas), seguido por Ceará, com 24% (145,1 mil toneladas), e Santa Catarina, com 8% da produção (44,9 mil toneladas). Os municípios de Livramento de Nossa Senhora (36 mil toneladas), na Bahia, Viçosa do Ceará (35 mil toneladas) e Tianguá (27,7 mil toneladas), ambos no Ceará, foram os maiores produtores de maracujá.
A exportação de maracujá no País ainda é incipiente e a maior parte da produção abastece o mercado interno. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Comex Stat – MDIC), em 2019, o Brasil exportou apenas 30 toneladas da fruta in natura para 25 países, entre eles Portugal (28% do total exportado), Espanha (20%) e Austrália (19%). As exportações de maracujá totalizaram quase US$ 66,9 mil. O Estado que mais exportou a fruta foi São Paulo (9 toneladas, somando US$ 19,4 mil).
Com relação à exportação de suco de maracujá, a participação foi maior, com uma venda de quase 444 toneladas para 15 países, em 2019. O principal destino foi Estados Unidos (75% do total exportado), seguido por Holanda (18%) e França (3%). As exportações de suco de maracujá totalizaram mais de US$ 1,19 milhão. Quase a totalidade de suco de maracujá exportado teve origem no Ceará (357,4 mil toneladas, com um valor de exportação de US$ 850,6 mil) (Comex Stat – MDIC).
Práticas amigáveis aos polinizadores
Como o maracujazeiro é essencialmente dependente da visita de polinizadores para gerar frutos, os produtores de maracujá devem adotar práticas de manejo para promover a atração e a permanência dos polinizadores em suas propriedades. Do contrário, é necessário realizar a polinização manual, o que aumenta os custos de produção ⎯ o uso suplementar da polinização manual apenas nos picos de floração implica em custos de mão-de-obra que representam em torno de 15% do total dos custos de produção do maracujá (Yamamoto et al. 2010).
Com o objetivo de disponibilizar de forma acessível informações sobre o processo de polinização e descrever estratégias de manejo que podem ajudar os produtores de maracujá a obter melhores rendimentos, foi publicado, pela pesquisadora Cláudia Inês da Silva e colaboradores, o livro Manejo dos Polinizadores e Polinização de flores do Maracujazeiro, do qual destacamos algumas práticas.
As mamangavas-de-toco (Xylocopa spp.) recebem esse nome popular por construírem seus ninhos em madeira morta, ramos secos de árvores, mourões de cerca ou em cavidades de bambu. Uma fêmea escava e funda seu ninho sozinha, mas pode ocorrer a sobreposição de gerações por um período ⎯ a mamangava-mãe e suas filhas ⎯, razão pela qual são consideradas parassociais.
Baseado nessa característica de nidificação, os produtores podem instalar troncos de madeira apodrecidos e ninhos-armadilha de gomos de bambu, fechados em uma das extremidades pelo próprio nó, para a atração de fêmeas. A variação no comprimento e no diâmetro do bambu possibilita a nidificação de diferentes espécies de mamangavas-de-toco. Por exemplo, para a atração de fêmeas da Xylocopa frontalis, o comprimento dos bambus pode variar de 16,1 cm a 30,6 cm, com diâmetros entre 1,3 cm a 2,3 cm e espessura de 2 cm a 3 cm. Depois que as fêmeas se estabelecem nos ninhos-armadilha, eles podem ser levados para próximo das plantações e colocados em um rancho de madeira, protegido contra insolação, excesso de calor e chuvas.
Como as mamangavas-de-toco visitam as flores do maracujazeiro exclusivamente para a coleta do néctar, é essencial que existam na propriedade fontes alternativas de pólen, assim como de néctar no período em que o maracujazeiro não está florescendo. A conservação e a recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RLs), bem como o plantio de espécies de plantas cultivadas e nativas ao redor dos cultivos, fornecem alimento ao longo do ano e substratos para a construção de ninhos pelos polinizadores. Exemplos de espécies a serem plantadas para a alimentação das mamangavas-de-toco incluem abóbora, tomate, feijão, goiaba, urucum, entre outras ⎯ no livro é apresentado um calendário de floração de plantas visitadas por diferentes polinizadores do maracujazeiro.
A pulverização de defensivos agrícolas deve ser evitada no período de floração, mas se o tratamento fitossanitário for indispensável para evitar danos econômicos na lavoura, cuidados especiais devem ser adotados para não atingir as abelhas, como dar preferência a técnicas agronômicas de Manejo Integrado de Pragas (MIP).
A pulverização deve ser realizada com produtos de baixa toxicidade para as abelhas, ao final da tarde ou pela noite, quando elas não estão em atividade no campo ⎯ as flores do maracujazeiro abrem por volta das 12h e apresentam maior frequência de visitação pelos polinizadores até às 15h. Após este horário, a atividade dos polinizadores nas flores do maracujá é baixa (Benevides et al. 2009; Siqueira et al. 2009; Martins et al. 2014).
Além disso, é essencial seguir todas as recomendações presentes nos rótulos e bulas, observando rigorosamente as boas práticas de tecnologia de aplicação dos produtos, incluindo medidas para evitar a deriva (porção do defensivo aplicado que não atinge o alvo desejado).
Texto produzido pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), em colaboração com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS).
Referências
Benevides CR et al. (2009) Visitantes florais do maracujá-amarelo (Passiflora edulis f. flavicarpa Deg. Passifloraceae) em áreas de cultivo com diferentes proximidades a fragmentos florestais na região Norte Fluminense, RJ. Revista Brasileira de Entomologia 53, 415-421.
Comex Stat – Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) (2019) Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home. Acesso em: 13 abr 2021.
Giannini TC et al. (2015) The Dependence of Crops for Pollinators and the Economic Value of Pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108, 849-857.
Giannini TC et al. (2020) Unveiling the contribution of bee pollinators to Brazilian crops with implications for bee management. Apidologie 51, 406-421.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal (2019) Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html?=&t=sobre. Acesso em: 13 abr 2021.
Klein AM et al. (2020) A Polinização Agrícola por Insetos no Brasil. Um Guia para Fazendeiros, Agricultores, Extensionistas, Políticos e Conservacionistas. Albert-Ludwigs University Freiburg, Nature Conservation and Landscape Ecology.
Martins MR et al. (2014) Tipos de polinização e pastejo da abelha Xylocopa spp. na frutificação e qualidade dos frutos de maracujazeiro. Revista Caatinga 27, 187-193.
Silva CI et al. (2014) Manejo dos Polinizadores e Polinização de flores do Maracujazeiro. São Paulo, SP: IEA.
Siqueira KMM et al. (2009) Ecologia da polinização do maracujá-amarelo, na região do vale do submédio São Francisco. Revista Brasileira de Fruticultura 31, 01-12.
Yamamoto M et al. (2010) A polinização em cultivos agrícolas e a conservação das áreas naturais: o caso do maracujá-amarelo (Passiflora edulis f. flavicarpa Deneger). Oecologia Australis 14, 174-192.