A diminuição do número de abelhas em todo o mundo tem sido uma grande preocupação de apicultores, agricultores e cientistas, já que o inseto, além de permitir a existência de todo um setor produtor de mel, é muito importante para a produção de alimentos, devido à função de polinizador que exerce. Causas para essa redução têm sido investigadas por especialistas, que apontam uma combinação de fatores responsáveis para esse fenômeno, como doenças e a utilização de produtos químicos tóxicos. Contudo, o estudo mais recente sobre o tema, publicado na revista Science, mostra que o principal predador das pequenas operárias é o homem.
Segundo os autores do trabalho, os insetos têm sido prejudicados pelo comércio global, que, a partir da exportação de colônias europeias, espalhou para o resto do mundo o ácaro da espécie Varroa e o vírus da asa deformada (conhecido como DWV, devido à sigla em inglês). Sozinhos, o ácaro e o vírus não representam uma grande ameaça às colmeias. Juntos, porém, representam um ataque duplo e devastador.
Os cientistas responsáveis pelo trabalho explicam que, há algum tempo, se sabia que o ácaro havia tornado o DWV mais perigoso. “Em combinação com o Varroa, o vírus atinge altos níveis de infecção e pode matar colônias durante o inverno. O que queríamos saber era como o vírus e o ácaro se espalharam globalmente e quais populações foram os principais motores da expansão global”, explica ao Correio Lena Bayer-Wilfert, professora de evolução molecular da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e uma das autoras do estudo.
Análises
No trabalho, os especialistas analisaram amostras do vírus da asa deformada e do ácaro Varroa em todo o mundo, além de uma série de dados já existentes sobre a doença. Eles usaram essas informações para reconstruir a propagação do DWV. Eles descobriram que a epidemia se espalhou em grande parte da Europa e, de lá, para a América do Norte, a Austrália e a Nova Zelândia.
Também foram encontrados pequenos resquícios da doença entre a Europa e a Ásia, mas nenhum entre a Ásia e a Australásia (região que inclui a Austrália, a Nova Zelândia, a Nova Guiné e parte de ilhas da Indonésia), o que indica que a propagação não se deu de forma espontânea, mas movida pelo comércio internacional dos insetos. Os pesquisadores também investigaram outras espécies suspeitas de transmitir a doença, mas concluíram que a abelha-europeia (Apis mellifera) foi a “transmissora-chave” da dupla mortal (ácaros carregando o vírus DWV).
“Nosso estudo descobriu que o vírus da asa deformada é uma grande ameaça para as populações de abelhas em todo o mundo e essa epidemia tem sido impulsionada pelo comércio e circulação de colônias de abelhas”, destacou em um comunicado à imprensa Roger Butlin, professor de biologia evolutiva na Universidade de Sheffield, também no Reino Unido.
O coautor frisa que o uso das abelhas na área de produção é essencial, mas que os riscos envolvidos, mostrados no estudo, precisam ser levados em consideração. “Colônias de abelhas domesticadas são extremamente importantes para nossos sistemas de agricultura, mas esse estudo mostra os riscos do comércio desses animais ao redor do mundo. As consequências podem ser devastadoras. O risco de vírus que introduzem outros agentes patogênicos (causadores de doenças) é apenas um dos muitos perigos potenciais”, completa.
Fábia Pereira, especialista em apicultura e pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Piauí, destaca que a abelha-europeia viajou por todo o mundo, o que justificaria sua parcela de “culpa” quanto à disseminação do ácaro Varroa e do vírus DWV. “Ela estava restrita à África, à Europa e a parte da Ásia. Durante a colonização, ela foi trazida para a América do Sul, a América do Norte e a Oceania, e hoje está em todo lugar. Por isso, a comercialização do homem seria a melhor justificativa dessa doença ter se espalhado”, concorda a cientista, que não participou do estudo.
Ela explica que o vírus da asa deformada é um dos dois principais micro-organismos que têm ameaçado as colmeias. “O vírus da paralisia aguda é também uma grande preocupação. Quando ele ocorre, o apicultor chega à colmeia e vê que as abelhas sumiram. Já no vírus da asa deformada, analisado nesse estudo, ele chega e as encontra mortas. Ambos reduzem as populações, o que é preocupante, porque isso impacta a produção de alimentos”, descreve Pereira.
Medidas
Após apontar uma causa importante envolvida na diminuição das abelhas, os autores do artigo publicado na Science acreditam ser necessário pensar em maneiras de evitar a propagação do DWV. “Nossa pesquisa reforça a necessidade de limitar a propagação de doenças quando comercializamos animais e plantas para áreas que não são nativas”, frisa Lena Bayer-Wilfert. “Isso mostra que as normas vigentes sobre vendas internacionais de abelhas podem não ser as que precisamos e evidencia o quão importante é o papel dos apicultores locais, já que eles precisam manter suas abelhas e outros polinizadores, que convivem com elas de maneira saudável”, completa.
Pereira, da Embrapa, também acredita que o estudo reforça a necessidade de medidas preventivas. “É necessário ter mais higiene nesse transporte; isso faz com que o parasita não se espalhe”, destaca a especialista. Ela explica ainda que, no Brasil, o problema do Varroa não é muito grave, mas o cuidado é necessário. “As abelhas do Brasil vieram da África, elas são mais higiênicas e dão um jeito de se livrar do ácaro. Acreditamos que isso ocorra porque o clima é mais quente, mas isso pode mudar, principalmente pelas mudanças climáticas”, alerta.
Os autores da pesquisa acreditam que as análises poderão tirar outras dúvidas que persistem. “Estamos estudando o efeito do Varroa em doenças virais que acometem polinizadores selvagens, que não são infectados diretamente pelo ácaro, mas que compartilham esse patógeno vindo das abelhas”, adianta Bayer-Wilfert.
Fonte: Correio Braziliense – Vilhena Soares