Um estudo recentemente publicado na revista Science Advances avaliou a contribuição dos
polinizadores para os fluxos de produtos agrícolas no mercado internacional e mostrou a
importância da conservação da biodiversidade para os padrões de consumo globais. A equipe responsável pelo estudo reuniu pesquisadores das áreas de Economia, Ecologia, Ciências Ambientais e Ciências Sociais.
Frente ao crescimento da demanda global por produtos agrícolas, a sustentabilidade na
agricultura é um dos maiores desafios para a humanidade. Combinado com o uso excessivo de insumos químicos, a perda de habitat natural associada à expansão agrícola está causando acentuados declínios de biodiversidade, que afetam muitas populações de polinizadores. Uma vez que os polinizadores (principalmente insetos) são responsáveis pela fertilização das flores e produção de frutos e grãos da vasta maioria de produtos agrícolas, tais perdas de biodiversidade impactam negativamente a produtividade de muitas culturas, afetando também a qualidade nutritiva dos produtos e características estéticas associadas ao valor de mercado.
Inspirados pelo conceito de fluxo de água virtual, que mede os recursos hídricos associados
aos produtos agrícolas comercializados nos mercados internacionais, o Fluxo Virtual de
Polinização foi um conceito cunhado neste artigo para indicar a proporção da exportação
agrícola de um país que resulta diretamente da ação dos polinizadores.
Felipe Deodato (Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT, Brasil), que liderou a pesquisa conjuntamente com Luísa Carvalheiro (Universidade Federal de Goiás – UFG, Brasil), ressalta que “o Fluxo Virtual de Polinização demonstra como o mercado global, em particular os países mais desenvolvidos, estão demandando excessivamente os serviços de polinização dos países em desenvolvimento”. Por exemplo, no caso do Brasil, os serviços de polinização são fortemente destinados para Europa e Estados Unidos principalmente devido ao mercado de café, soja, laranja, maçã, melancia, manga, abacate, entre outros.
Os resultados do trabalho mostram também que são exatamente os países mais pobres (com menor Índice de Desenvolvimento Humano) que mais expandem os campos agrícolas de culturas que dependem da polinização, à custa de habitat natural. Como alerta Luísa
Carvalheiro (UFG) “a diminuição a produtividade dos campos agrícolas, causada pela perda de serviços ecossistêmicos como a polinização, acaba por estimular ainda mais a expansão
agrícola, e desta forma entramos em um ciclo vicioso prejudicial tanto para à biodiversidade como para os produtores rurais”.
Os autores ressaltam também a importância de avaliar as consequências socioeconômicas
dessas tendências, pois pequenos produtores familiares (que são responsáveis por parte
significativa da produção agrícola) poderão ser aqueles com menor capacidade de resposta às perdas de produtividade da terra.
Frédéric Mertens (Universidade de Brasília – UnB, Brasil) ressalta que “a proposta interdisciplinar da pesquisa revelou a necessidade de desenvolver estratégias de governança colaborativa global, para além dos princípios da economia de livre mercado, no intuito de alcançar sinergias entre o comercio internacional de produtos agrícolas, a conservação da biodiversidade e a justiça social”.
Embora muitos estudos apontem para um declínio dos polinizadores e cada vez mais se
reconheça o papel deles na agricultura, há ainda pouca consciência do público em geral sobre os impactos do atual modelo de agronegócio, do mercado internacional e dos padrões de consumo sobre a biodiversidade global. “Ao comprar um café, o consumidor saberá onde ele foi produzido olhando no rótulo do produto, mas dificilmente saberá se o produtor segue práticas sustentáveis que salvaguardam os polinizadores responsáveis pela produção desse mesmo café” afirma Felipe Deodato.
Os pesquisadores esperam que ao tornar mais fácil a identificação de conexões comerciais globais mediadas pelos serviços ecossistêmicos, este trabalho possa despertar na sociedade um sentimento de responsabilidade compartilhada, em que todos os envolvidos no processo produtivo (produtores, consumidores e formuladores de políticas públicas) se comprometam a minimizar os impactos ambientais.
Para isso, eles desenvolveram uma ferramenta online onde o usuário poderá visualizar o fluxo virtual de polinização entre os países https://virtual-pollination-trade.shinyapps.io/virtual-biotic-pollination-flow/.
O estudo contou com a participação de Karlo Guidoni-Martins (Universidade Federal de Goiás – UFG, Brasil), J. Aguirre-Gutiérrez (Universidade de Oxford, Reino Unido) e de Marc Lucotte (Universidade do Quebec em Montreal, Canadá). A pesquisa foi financiada pela Fundação de Apoio do Distrito Federal (FAPDF, Brasil), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Brasil), pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Brasil), pelo Lisboa2020 FCT/EU (Portugal), e pela Organização dos Países Baixos para Pesquisa Científica (NWO, Países Baixos).
Foto “polinizador no girassol” – Luísa G. Carvalheiro.
Foto “polinizador na flor de açaí” – Cristiano Menezes.
Leia o artigo (acesso gratuito, em inglês): https://advances.sciencemag.org/content/7/11/eabe6636
Felipe Deodato da Silva e Silva, Luísa G. Carvalheiro, Jesus Aguirre-Gutiérrez, Marc Lucotte,
Karlo Guidoni-Martins, Frédéric Mertens. Virtual pollination trade uncovers global
dependence on biodiversity of developing countries. Sci. Adv. 7, eabe6636 (2021).