Que os diferentes usos da terra na Amazônia podem causar impacto sobre a biodiversidade dos ecossistemas não é novidade, mas um estudo recentemente publicado na revista Ecology Letters quantifica esse impacto, mostra que as florestas, mesmo em estágios de degradação, apresentam grande riqueza e variedade de espécies, e ainda fornece bases científicas para o planejamento da produção florestal e agropecuária na região. Os dados indicam que a biodiversidade encontrada reduz a chance de extinção de espécies.
“Algumas florestas perturbadas conseguem manter uma quantidade de até 80% das espécies encontradas em áreas de florestas primárias, o que nos dá esperança”, afirma o pesquisador Ricardo Solar, primeiro autor do artigo e bolsista de pós-doutorado na Universidade Federal de Viçosa (MG), instituição que realizou o trabalho em parceria com a Embrapa.
O estudo, desenvolvido no âmbito da Rede Amazônia Sustentável (RAS), analisou a biodiversidade presente em florestas primárias, florestas degradadas (por queima e/ou extração madeireira), florestas secundárias, pastagens e áreas de agricultura mecanizada. Foram observadas cerca de duas mil espécies de plantas, abelhas, besouros, formigas e aves, distribuídas nas cinco categorias, em regiões localizadas nos municípios de Paragominas e Santarém, nordeste e oeste do Estado do Pará, respectivamente.
O trabalho analisou áreas em 18 bacias de cada município, totalizando aproximadamente três milhões de hectares. “A área de abrangência e a análise espacial da biodiversidade são os diferenciais desse estudo, que analisou o impacto do uso da terra na região, na paisagem e em todo o mosaico que ocorre dentro dela, e não algo pontual nos sítios de coleta”, conta a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, coautora do artigo.
As unidades de estudo, chamadas de transectos, são parcelas de 2.500 m² em que os pesquisadores registram as medidas da biodiversidade. Dentro de cada bacia, foram analisadas cerca de 10 transectos, totalizando 335, situados em diferentes áreas.
As análises quantitativas envolveram a riqueza e a diversidade de espécies que levam em conta a variedade e a proporcionalidade delas, tanto localmente nas parcelas estudadas, quanto no nível da paisagem, comparando as parcelas entre si, as bacias e as regiões. “Por exemplo, das 45 espécies de abelhas-das-orquídeas conhecidas pela ciência na Amazônia, 40 foram registradas nas áreas o estudo”, conta a pesquisadora Márcia Maués, da Embrapa Amazônia Oriental, coautora do artigo.
Ao estudar pontualmente a biodiversidade presente em cada parcela, observou-se que a diversidade foi diminuindo gradativamente conforme o nível de degradação da floresta (das áreas conservadas para as degradadas, e em seguida para as secundárias) e caiu mais ainda nas áreas de produção. “Como as espécies que restam nesses lugares são mais generalistas, dizemos que a biodiversidade é simplificada”, afirma Joice Ferreira. As áreas de agricultura mecanizada, por exemplo, apresentaram menos riqueza na biodiversidade local que áreas de florestas mesmo em estágio de degradação.
Já na avaliação da variação da biodiversidade em relação à paisagem, os resultados são otimistas: a diversidade e a riqueza de espécies entre florestas degradadas e em regeneração foi muito alta. “Isso é uma boa notícia porque descobrimos que há espécies diferentes em cada lugar, diminuindo as chances de extinção, ou seja, até o momento ainda temos muitas espécies espalhadas na paisagem, logo ainda temos tempo de planejar o uso da terra para parar o processo de perda de espécies”, ressalta a pesquisadora.
Biodiversidade nas propriedades rurais
Na Amazônia, as áreas protegidas constituem 44% da região, cerca de dois milhões e 200 mil km². Desse total, 22% são unidades de conservação (parques, reservas, florestas nacionais e outras áreas protegidas) e 22% são áreas indígenas. Impressiona o fato de que quase 60% da vegetação nativa da região está como reserva privada (propriedades), mostrando a importância de preservar essas áreas.
O pesquisador Toby Gardner, do Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia), coautor do trabalho, afirma que os resultados reforçam a importância das áreas de proteção ambiental, mas também indicam a importância das reservas nas propriedades privadas, áreas que muitas vezes já foram perturbadas, e que são a maioria das áreas de florestas dos trópicos.
“Sem a abordagem baseada na paisagem, muitas espécies podem ser regionalmente extintas, portanto é fundamental que as reservas de florestas estejam espalhadas na paisagem, e não concentradas em uma única parte das regiões afetadas”, completa o pesquisador.
O estudo também oferece bases científicas para a legislação. A pesquisadora Joice Ferreira afirma que florestas em regeneração nas áreas privadas têm que ser consideradas nos Planos de Recuperação Ambiental das propriedades rurais. Na Amazônia, segundo a Embrapa e o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), com o uso do Terraclass, estima-se em 165 milhões de hectares áreas de floresta em tais condições.
“Não haveria necessidade de, por exemplo, plantar em algumas dessas áreas para diminuir o passivo ambiental, e sim conservar algumas para que se regenerem naturalmente. É mais eficiente para a natureza e mais barato para o produtor”, afirma a pesquisadora.
Isso acontece porque ainda existem áreas de floresta nas propriedades que têm o papel de conectar as grandes áreas de reservas. As propriedades rurais, portanto, podem atuar dentro de uma rede de áreas de conservação. Esse, aliás, é o próximo passo do estudo: realizar um mapeamento para indicar a distribuição ótima de reservas florestais na região, potencializando assim as áreas já protegidas e valorizando as propriedades rurais.
Rede de pesquisa na Amazônia
A Rede Amazônia Sustentável (RAS) é um consórcio de trinta instituições brasileiras e estrangeiras, da qual participam mais de cem pesquisadores que desenvolvem estudos para avaliar a sustentabilidade dos usos da terra no leste da Amazônia. Criada em 2009, a rede é coordenada pela Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Lancaster (Reino Unido) e Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). A RAS é também parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia.
A rede desenvolve seus trabalhos em duas regiões localizadas no Estado do Pará, em Paragominas (nordeste), Santarém e Belterra (oeste). Elas diferem entre si em vários aspectos, como características biofísicas, história de ocupação e uso da terra, e representam as dinâmicas de desenvolvimento do leste da Amazônia. Nos locais, há mais de 300 pontos de coleta de dados de diferentes tipos, que geram estudos diversificados sobre as consequências ecológicas da perda, degradação e exploração da floresta, bem como sobre as mudanças que afetam agricultura, incluindo a pecuária e a silvicultura.
Fonte: Embrapa Amazônia Oriental – Ana Laura Lima