O que está em pauta na Conferência da Biodiversidade da ONU

Entre os dias 11 e 15 de outubro será realizada a primeira parte da COP 15, Conferência da Biodiversidade da Organização das Nações Unidas, que vai reunir virtualmente representantes de 196 países partes da Convenção da Diversidade Biológica – CDB (Convention of Biological Diversity – CBD, em inglês). A segunda parte da Conferência será em 2022, na China.

Em pauta, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais frente às mudanças climáticas e às ações humanas.COP 15 logo

Para entender melhor o que é a COP 15, a importância das discussões na Conferência e como os polinizadores integram esse cenário, conversamos com a pesquisadora Vera Lucia Imperatriz Fonseca, Profa. Titular Senior do Instituto de Biociências da Universidade de S. Paulo e conselheira científica da A.B.E.L.H.A..

A.B.E.L.H.A. – Para sermos didáticos, o que é a COP e como ela se relaciona com a Convenção da Diversidade Biológica (CDB)?

Vera Imperatriz entrevista

Vera Imperatriz – Na Cúpula da Terra, como ficou conhecida a Eco 92, os 87 países participantes , ONGS , etc., sob a coordenação da ONU, estabeleceram um mecanismo muito importante de ações ligadas ao Meio Ambiente. Assim, foram criadas a Agenda 21, e as Convenções do Clima e da Diversidade Biológica, a das áreas Úmidas (RAMSAR).

Para organizar as agendas das convenções e estabelecer os programas de atividades, todas sujeitas aos princípios da ONU (consulta ampla aos países signatários, prioridades estabelecidas por votação e acompanhamento dos resultados) foi criado um mecanismo através da coordenação de um corpo técnico subsidiário (SBSTTA), que analisa os resultados obtidos por cada país sobre a agenda sugerida para o período, submete à votação para aprovação pelos países signatários e prepara para votação final numa Conferência das Partes (COP), onde os representantes oficiais dos países vão avaliar e votar se aprovam o que foi decidido. Uma vez tomada a decisão, os países devem seguir aquela agenda e suas metas propostas.

Os assuntos são amplamente discutidos, e as agendas votadas por período de alguns anos  (por exemplo, 2010-2020 foi a década da biodiversidade para a CDB; 2020-2030 a década da restauração, onde se espera a grande transformação de hábitos e prioridades de desenvolvimento, principalmente a agenda energética neste momento).

Cada agenda pode ser aceita por países diferentes. Os observadores não têm direito a voto. São signatários da CBD 196 países, e, da Convenção do Clima, 197.

A.B.E.L.H.A. – Porque a COP 15 da CBD é tão importante e o que podemos esperar como resultados?

Vera Imperatriz – A COP 15 estabelece uma agenda de atividades para os países signatários da Convenção para aprofundarmos no conhecimento da biodiversidade e suas interações com o clima, em um momento muito difícil da vida no planeta Terra, em que precisamos mudar os nossos hábitos de vida para uma redução do CO2 na atmosfera. Atualmente produzimos 40 GigaTons de CO2 e em 30 anos precisamos passar para 5Gtons de CO2. Chamamos essa década da restauração de grande transformação, porque temos que mudar os hábitos e costumes para preservar o equilíbrio do planeta.

“Enfrentar o desafio de conter as perdas contínuas de espécies e diversidade genética e os danos aos ecossistemas irá determinar o bem-estar da humanidade para as gerações vindouras.”

Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da CBD

A.B.E.L.H.A. – Como devem ser abordados os temas que se referem aos polinizadores? Serão discutidas propostas que envolvem a conservação dos polinizadores?

Vera Imperatriz – Desde 2000 os polinizadores entraram na agenda dos tópicos importantes a serem considerados para a preservação da biodiversidade agrícola. Esta foi a primeira abordagem, porque a produção de alimentos sempre foi uma prioridade global. Este tema foi aprovado na COP5 do ano 2000 e foi o resultado da Declaração de São Paulo sobre o Uso Sustentável e a Conservação dos Polinizadores, elaborada a partir de workshop internacional realizado na USP, coordenado pelo MMA e por mim, em 1998.

revoada abelhas Crédito Cristiano Menezes reduzida

Foi criada a Iniciativa Internacional de Polinizadores, o guarda chuva para as iniciativas regionais , entre elas a Iniciativa Brasileira de Polinizadores. As diretrizes centrais vieram da FAO, que também atuava para viabilizar a inserção de vários países neste contexto, e obter, para os países em desenvolvimento, um auxílio financeiro do Global Environmental Facility (GEF) para as pesquisas necessárias para alavancar o programa.

Em 2010 foi criada pela CBD, em Nagoya, a IPBES (Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas)que funcionaria com avaliações globais de temas específicos, sugeridos pelos países signatários desta nova Plataforma, que tinha também o objetivo de subsidiar políticas públicas. O tema sugerido inicialmente para análise foi o desaparecimento das abelhas, e em 2014 foi estabelecida a Avaliação  Polinizadores, Polinização e Produção de Alimentos, que tratou de polinizadores reunindo as informações disponíveis na época sob o ponto de vista de um quadro de ações estabelecido para todas as avaliações da IPBES (um framework).

O modelo seguido era o do IPCC. A avaliação foi submetida aos 121 países signatários da IPBES na época, e aprovada. A seguir, como estabelecido desde o início de suas operações, o relatório foi submetido à aprovação da COP 13. O que houve de especial nesta reunião foi a Coalizão formada inicialmente por 13 países em prol do estabelecimento imediato de políticas públicas para a conservação e uso sustentável de polinizadores. Atualmente, há 30 países que formalizaram a sua adesão – promotepollinators.org. 

A partir dos resultados desta avaliação internacional, houve grande interesse na mídia para este tema. A União Europeia estabelece uma nova Iniciativa de Polinizadores voltada para a horizontalidade, ou seja, polinizadores já eram considerados essenciais e por isso toda população deveria atuar em prol deles. E todos os segmentos da sociedade, inclusive o terceiro setor, deveriam ter essa prioridade. O Brasil apresentou um Diagnóstico Brasileiro sobre Polinizadores, Polinização e Produção de Alimentos em 2018.

A nova agenda da CBD para 2030 incluiu polinizadores especificamente entre as atividades priorizadas, e o programa recentemente sugerido está sob a coordenação da FAO. 

existe abelhas sem ferrão

A.B.E.L.H.A. – O relatório de avaliação global da biodiversidade, publicado em 2019 pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), alertou que cerca de 1 milhão de espécies estão ameaçadas de extinção no mundo. Como a perda da biodiversidade impacta a nossa vida?

Vera Imperatriz – Os seres vivos, que formam a biota, atuam nos serviços de ecossistemas, hoje mencionados como atividades da natureza para os homens. Assim, destacamos a formação do solo, a dispersão de sementes, a polinização, o controle biológico e muitas outras outras interações que tornam possível as trocas de gases na atmosfera, por exemplo, assim como a preservação dos mananciais. As florestas, por exemplo, mantêm o ciclo da água, e a agricultura em áreas muitas vezes distantes (como é o caso dos rios voadores que trazem a chuva da Amazônia para o Sudeste). A estabilidade climática e a alta biodiversidade permitiram que houvesse o desenvolvimento atual, mas isso também tem um limite.

Os limites planetários foram estabelecidos há cerca de 10 anos, quando cientistas  sugeriram que precisávamos nos manter nos limites da resiliência da Terra, isto é, quando cessada a perturbação a Terra poderia voltar ao estado inicial. O que eles não sabiam é que os vários tópicos abordados eram interligados, de modo que em conjunto a perturbação era muito maior e mais rápida. O maior problema que temos para manter a vida na Terra no momento é a ação das mudanças climáticas.   

A.B.E.L.H.A. – De 31 de outubro a 12 de novembro também será realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 26), a principal conferência climática do planeta. Qual o papel das mudanças climáticas na perda de biodiversidade?

Vera Imperatriz – As mudanças são catastróficas, se passarem de um certo ponto. As projeções são de perda da Calota de gelo do Ártico (Polo Norte) em 10 anos, é possível imaginar isso? A perda da estabilidade climática vai trazer (e já está trazendo) migrações humanas e perdas de biodiversidade, porque o clima muda em cada região do mundo.

A.B.E.L.H.A. – E quanto aos polinizadores, já temos evidências do impacto das mudanças climáticas em suas populações?

Vera Imperatriz – Sim, temos estudos para várias partes do mundo, inclusive para o Brasil, focalizando abelhas, aves, morcegos polinizadores. Por exemplo, menciono os realizados para Carajás, onde 85% das abelhas (de 216 espécies avaliadas) não encontrarão, nesta Floresta Nacional, que é preservada e será preservada, condições ideais para sobrevivência daqui a 30 anos.

Estudos realizados focalizaram por exemplo o impacto projetado pelas  mudanças sobre várias espécies de abelhas do gênero Melipona e Bombus principalmente. Nas mudanças climáticas o regime de chuvas muda, alterando a floração, portanto o alimento para as abelhas. E as consequências seguem em cadeia.floresta nacional de carajásestudo abelhas polinizadores carajas e nova limaA.B.E.L.H.A. – O desafio de conciliar desenvolvimento e conservação dos recursos naturais é cada vez mais urgente. Como o Brasil pode ser protagonista nessa agenda?

Vera Imperatriz – Para isso o Brasil precisa apoiar a ciência como maior prioridade. É urgentíssimo que todos estejamos conscientizados de que não haverá ganhador neste novo cenário, é um dominó de perdas. Urgente também é a mudança de prioridades do terceiro setor, que domina os recursos financeiros no momento. O Brasil precisa de uma ação conjunta e de conscientização de que o problema é de todos e não só do governo.

Horizontalidade, informações confiáveis e aplicação na educação e na ciência são fundamentais. A boa noticia é que ainda temos pesquisadores jovens bem formados que podem atuar para produzir alternativas neste cenário de grandes transformações super-urgentes. Uma nova Iniciativa de Polinizadores do Brasil deveria ser sugerida pelo terceiro setor focando a inserção do tema no coração de suas atividades, e aplicando todo o seu know-how para atuar na grande transformação. Usar a teoria na prática, esquecer o lucro imediato e pensar na sobrevivência a médio prazo.

“Proteger as contribuições inestimáveis da natureza para as pessoas requer que harmonizemos nossAs
políticas e ações em todos os níveis. A estrutura global da biodiversidade, com base na melhor Ciência e evidências disponíveis, é fundamental para atender a essas necessidades.”

Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da CBD