Sequenciar o genoma de toda a vida na Terra. Este é o objetivo do Earth Biogenome, um ambicioso projeto multibilionário previsto para ter início em 2018. A ideia é montar uma rede global de colaboradores para a coleta de amostras de todas as espécies eucarióticas do planeta — com células que possuem núcleo, dos reinos Animalia, Plantae, Fungi, Protista e Chromista —, que serão analisadas com as mais modernas técnicas de sequenciamento. O cronograma prevê que, num prazo de dez anos, seja construída uma grande biblioteca genômica, a “Arca de Noé” do terceiro milênio.
“Nós queremos clarificar a árvore da vida”, explica Harris Lewin, geneticista da Universidade da Califórnia, em Davis, que idealizou o projeto ao lado de Gene Robinson, diretor do Instituto Carl R. Woese para Biologia Genômica, da Universidade de Illinois, e John Kress, do Museu Nacional de História Natural. “Nós poderemos organizá-la não apenas por traços ou características dos organismos, mas pelo DNA. Isso vai nos permitir identificar relações precisas para melhor compreender a biodiversidade e a origem das espécies.”
Pela dimensão, o Earth Biogenome vem sendo comparado ao Projeto Genoma Humano, que levou 13 anos para identificar e mapear todos os genes do DNA humano. Encerrado em 2003, ele criou as bases tecnológicas para que agora, quase 15 anos depois, um salto ainda mais ambicioso fosse dado. Ao todo, estima-se que o planeta tenha 1,5 milhão de espécies eucarióticas conhecidas, e outras milhares ou milhões de desconhecidas.
“Esse é um dos gargalos do projeto: a gente não sabe o tamanho real da nossa biodiversidade”, comenta a professora do Instituto de Biociências da USP Marie-Anne Van Sluys, que representa o Brasil no grupo de pesquisadores que discutem o projeto. “Com as desconhecidas, o número de espécies pode ser de 2 milhões ou 10 milhões. Com o avanço dos trabalhos, a dimensão pode mudar completamente.”
Coleta de amostras é o maior desafio
O projeto é dividido em três fases. A primeira, com duração estimada em três anos, prevê o sequenciamento de um membro de cada uma das cerca de 9.300 famílias eucarióticas. Na segunda, a análise será de um espécime de cada um dos 200 mil gêneros; e, na terceira, todas as 1,5 milhão de espécies.
O custo é estimado em US$ 4,3 bilhões, distribuídos ao longo de dez anos. Apesar do montante ser significativo, Lewin acredita que levantar fundos não será problema, já que o projeto reúne universidades, institutos de pesquisa e governos de vários países. O geneticista também compara o Earth Biogenome ao Genoma Humano, que custou à época US$ 2,7 bilhões, que em valores atualizados para 2017 somam US$ 4,8 bilhões.
Mas a conta só fecha por causa do barateamento exponencial dos custos de sequenciamento. Segundo os cálculos dos pesquisadores, as máquinas mais modernas existentes hoje são capazes de sequenciar 10 mil genomas por ano. Portanto, seriam necessárias 15 máquinas para o sequenciamento de 1,5 milhão de genomas em dez anos. A tendência é que os custos sejam reduzidos ainda mais ao longo de uma década.
A start-up Complete Genomics, por exemplo, promete que será capaz de sequenciar um genoma completo por cerca de US$ 100 dentro de um ano. Segundo Lewis, o maior desafio está na coleta de amostras com qualidade para o sequenciamento. Para superar essa barreira, o grupo está estabelecendo parcerias com outros institutos de pesquisa e projetos, como o Global Genome Biodiversity Network, que mantém um banco de dados com amostras de mais de 150 mil espécies catalogadas.
O projeto também irá recorrer aos chamados “cientistas cidadãos”, voluntários que podem ajudar na coleta de espécimes em sua região. Existem 1,5 milhão de espécies, mas não existem 1,5 milhão de pesquisadores envolvidos.
“A aquisição de amostras é a parte mais desafiadora do projeto, não o sequenciamento. A tecnologia de sequenciamento já existe”, afirma Lewin, que vislumbra o desenvolvimento de equipamentos portáteis que permitam a análise de material em campo. “Nós vamos trabalhar em contato com sistemas de bancos biológicos nacionais e colaborações com cientistas e voluntários em todo o mundo.”
Outro desafio será o armazenamento e a análise dos dados. A previsão é que o projeto supere a marca do exabyte, o equivalente a 1 bilhão de gigabytes. O volume de informações será comparável ao de interpretações astronômicas. “Nós temos ferramentas de visualização e análise de dados, mas precisaremos de novas arquiteturas específicas para essa escala”, diz Lewin.
É com a análise dos dados que o projeto pretende revolucionar o conhecimento científico. A comparação dos genomas de diferentes espécies permitirá determinar genes comuns e específicos, abrindo caminho para o desenvolvimento de novos medicamentos, o descobrimento de variantes genéticas úteis para a agricultura e a criação de chips inspirados na biologia, entre outras inovações: “E o mais importante é que essas informações poderão ser usadas para a conservação de espécies ameaçadas, servindo como um repositório de todas as espécies do planeta, uma Arca de Noé digital da vida na Terra”.
Para Marie-Anne, o conhecimento do genoma das espécies em risco também pode servir para reconhecer os animais que não podem mais ser salvos, informação importante para o direcionamento de verbas para programas de conservação.
“Conhecer o processo evolutivo nos fará entender que existem espécies que a gente não vai mais conseguir preservar, porque aquela linhagem está no fim como um processo natural, como o que aconteceu com os dinossauros”, aponta a pesquisadora. “Outro aspecto interessante é que existem algumas características fundamentais, que são iguais para uma bactéria e para o ser humano. Com esse banco genômico, a gente pode compreender como esse núcleo tão conservado gerou tanta diversidade.”
Fonte: Época Negócios