Convivência com agricultura

O serviço ecossistêmico de polinização nas lavouras

Os insetos polinizadores realizam a transferência de grãos de pólen da estrutura masculina para a estrutura feminina das flores, o que resulta na formação de melhores frutos e mais sementes. Esse processo, conhecido como polinização, é muito importante para a reprodução das plantas, influenciando diretamente na produção e na produtividade agrícola.

De acordo com o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil, estimou-se que a contribuição dos polinizadores para a agricultura brasileira tenha sido de R$ 43 bilhões em 2018. Esse valor refere-se ao montante que os agricultores teriam de gastar caso não houvesse polinizadores.

A presença de polinizadores no ecossistema pode trazer vários benefícios, dentre eles:

  • manutenção das populações de plantas e da variabilidade genética entre elas, essenciais para a manutenção da biodiversidade;
  • garantia do fornecimento confiável e diversificado de frutos, sementes e mel;
  • ganho econômico na produção agrícola em geral, pois, apenas no Brasil, calcula-se que a polinização relacionada à produção agrícola tenha um valor anual de US$ 12 bilhões.

De 191 plantas cultivadas ou silvestres utilizadas direta ou indiretamente na produção de alimentos em solo brasileiro, 144 (75%) são visitadas por animais, alguns dos quais atuam como polinizadores.

Principais causas do enfraquecimento e morte de colônias de Apis mellifera

  • Manejo incorreto pelo apicultor;
  • Nutrição inadequada, por exemplo, pela falta de pasto apícola com vegetação diversificada;
  • Doenças (patógenos e parasitas), disseminadas pelo trânsito e comércio inadequado de colmeias e troca de material apícola contaminado;
  • Destruição do habitat natural por desmatamento e queimadas, que gera uma diminuição da disponibilidade de alimento e locais para a construção de ninhos;
  • Extremos climáticos, a exemplo do excesso de chuva ou a falta dela, excesso de calor e de frio;
  • Uso incorreto de defensivos agrícolas.

Cuidados com as abelhas e outros polinizadores devido ao uso de defensivos agrícolas

A pulverização de defensivos agrícolas deve ser evitada na pré-florada e durante a florada, com o objetivo de minimizar os riscos de contaminação de abelhas e outros polinizadores nas lavouras.

Quando o tratamento fitossanitário for indispensável para evitar danos econômicos na lavoura, cuidados especiais devem ser adotados para não atingir abelhas e outros polinizadores, como dar preferência a técnicas agronômicas de Manejo Integrado de Pragas, Doenças e Plantas Daninhas e controle biológico. O monitoramento da população de insetos pragas na lavoura tem o objetivo de identificar o Nível de Dano Econômico e o momento certo para realizar a aplicação de defensivos agrícolas químicos ou biológicos.

Quando for necessária a aplicação de defensivos químicos durante a pré-florada e a florada, a pulverização deve ser realizada com produtos de baixa toxicidade para as abelhas, ao entardecer ou à noite, quando elas não estão em atividade a campo. A informação sobre toxicidade para as abelhas está presente na bula dos produtos.

Para uma convivência sinérgica e produtiva, é importante que os agricultores mantenham o diálogo constante e informem os apicultores que possuem apiários em suas propriedades e arredores sobre as aplicações de defensivos agrícolas com antecedência. Segundo a Instrução Normativa Conjunta nº 1 de 28 de dezembro de 2012, para a aplicação aérea de produtos à base de Imidacloprido, Tiametoxam, Clotianidina e Fipronil em culturas de algodão, soja, cana-de-açúcar, arroz e trigo, os agricultores devem notificar os apicultores num raio de até 6 km, 48 horas antes da aplicação. Nas demais culturas, a aplicação aérea ou terrestre desses produtos está proibida em época de florada.

Os apicultores, por sua vez, podem realizar um manejo especial para evitar que as abelhas entrem em contato direto com os produtos pulverizados, como a transferência de local ou fechamento das colmeias antes, durante e algum tempo após a pulverização. No entanto, ainda são necessários estudos sistematizados para entender melhor qual dos dois manejos deve ser adotado de acordo com os diferentes produtos aplicados e, especificamente para o fechamento das colmeias, quanto tempo é preciso deixá-las fechadas de forma que seja seguro para a visitação das abelhas nos cultivos.

É essencial seguir todas as recomendações presentes nos rótulos e bulas dos defensivos agrícolas. As boas práticas de tecnologia de aplicação dos defensivos agrícolas, tanto por via aérea quanto terrestre, devem ser rigorosamente observadas. Isto inclui o tipo de produto, sua formulação, dose a ser aplicada, horário de aplicação, seleção e calibragem de pontas de pulverização, altura de barra ou de voo, velocidade, temperatura, umidade e velocidade do vento, além de medidas para evitar deriva, como evitar a aplicação nas bordas das lavouras adjacentes a locais de abrigo ou de coleta de recursos por polinizadores.

Dependência de polinização animal

A dependência de polinização cruzada promovida pelas abelhas e outros animais varia entre os cultivos agrícolas e, inclusive, de uma variedade para outra da mesma cultura. 

Há culturas que são essencialmente dependentes de polinização cruzada e frutificam somente quando visitadas por polinizadores animais. É o caso da acerola, maracujá, melancia, melão, açaí e castanha-do-Brasil. Para estas culturas, se a natureza não oferecer a quantidade necessária de polinizadores, o produtor precisará introduzir abelhas no plantio ou realizar a polinização manual.

abelha cafe32

E há culturas que são beneficiadas de diferentes maneiras pela polinização animal, como é o caso do feijão, do pimentão, do café, do morango e da soja. Essas culturas produzem frutos e sementes pela polinização realizada pelo vento ou por autopolinização, no entanto, esse processo não é capaz de assegurar o potencial máximo produtivo das plantas.

No café, por exemplo, a polinização realizada pelas abelhas pode elevar a produção em até 30%. No morango, a polinização das flores pelas abelhas resulta em uma distribuição uniforme do pólen, produzindo frutos mais pesados e bem formados. Segundo estudos com culturas de soja, esse ganho pode chegar de 31,7 a 58,6% no número de vagens, 40,13% no peso da vagem, 29,4 a 82,3% no número de sementes, 95,5% na viabilidade das sementes e 9 a 81% no peso das sementes. Essa diferença entre o que é produzido e o potencial máximo de produção da planta é denominada déficit de polinização e geralmente não é percebido pelos agricultores.

Também existem cultivos que não dependem e não são beneficiados pela polinização animal, como abacaxi e banana, por exemplo. Outros são exclusivamente polinizados pelo vento, como o milho, trigo e arroz.

Cenário apícola brasileiro

A predominância de abelhas africanizadas (Apis mellifera) em nossa apicultura é um dos principais diferenciais do cenário brasileiro. Conhecidas pela alta produtividade quando mantidas adequadamente e pela resistência a doenças e parasitas, elas também sofrem com a introdução de novos patógenos, incluindo fungos, bactérias e vírus, além de acidentes com inseticidas, causados muitas vezes por negligência ou imperícia.

Mesmo diante dessas adversidades, as abelhas africanizadas apresentam um imenso potencial de polinização que acaba esbarrando em questões culturais. Por falta de tradição e conhecimento, suas colmeias são pouco requisitadas para a polinização. No Brasil, em termos gerais, apenas produtores de maçã no Sul e melão no Nordeste costumam alugar colmeias. Nos Estados Unidos, por exemplo, o aluguel de colmeias é um serviço importante que movimenta expressivas cifras, principalmente para os cultivos de amêndoas na Califórnia.

Este potencial de polinização explorado timidamente no Brasil é confirmado por alguns estudos, que precisam de maior divulgação para a mudança de mentalidade dos agricultores. Além disso, o próprio setor acadêmico sente a necessidade de mais investimento em pesquisas para o diagnóstico e controle de doenças que afetam as abelhas. Para isso, o estabelecimento de laboratórios regionais, com equipamentos modernos e técnicos qualificados, serviria inclusive para o desenvolvimento de linhagens de abelhas mais produtivas, resistentes e adaptadas para as especificidades regionais.

A criação de uma apicultura migratória, baseada em calendários de floradas bem estabelecidos e em um transporte eficiente de colmeias saudáveis, pode ser um passo fundamental para a ampliação da produtividade do campo junto com a produção de mel e outros produtos das abelhas.

A abelha africanizada é um polinizador de mais de 30 cultivos agrícolas no Brasil, a exemplo da maçã, pêra, laranja, melão, melancia, girassol, goiaba, café, entre outros.

A contribuição da meliponicultura

jandaira FCM

As abelhas sem ferrão também têm grande potencial para a polinização agrícola devido à riqueza de espécies que fazem parte da fauna brasileira. Tamanha variedade, que se traduz em diferentes tamanhos corporais, colorações, preferências florais e comportamentos diversos, contribui para a polinização de diferentes espécies de plantas cultivadas, seja em campo aberto ou em estufas.

Além disso, são sociais, formam colônias perenes que armazenam alimento e sobrevivem ao longo de todo o ano, inclusive nos períodos de escassez de recursos no ambiente. Outras características que as tornam adequadas para a polinização de plantas cultivadas é a ausência de ferrão funcional, baixa agressividade de diversas espécies e menor amplitude de voo de forrageamento comparado a abelha africanizada, o que facilita o direcionamento para as culturas. Muitas espécies de abelhas sem ferrão são criadas em caixas racionais e são facilmente multiplicadas, facilitando seu manejo próximo aos cultivos.

As abelhas sem ferrão são ótimas para polinizar culturas agrícolas de importância econômica em âmbito regional e nacional, a exemplo de café, tomate, berinjela, urucum, coco, morango, goiaba, cupuaçu, açaí, camu-camu, entre outras.

A contribuição das abelhas solitárias

As abelhas solitárias, que somam grande parte das espécies de abelhas descritas, são polinizadores de plantas nativas e cultivadas, incluindo o maracujazeiro, polinizado pelas mamangavas-de-toco (Xylocopa spp.), e a aceroleira, polinizada pelas abelhas-de-óleo (Centris spp.). A castanheira-do-brasil, uma das árvores mais exuberantes da Floresta Amazônica, é polinizada principalmente por abelhas de grande porte dos gêneros Centris, Eulaema, Eufriesea, Epicharis e Xylocopa. Essas abelhas são capazes de voar longas distâncias e apresentam um comportamento adequado para entrarem na flor, coletar pólen e néctar e, assim, realizarem a polinização cruzada ao voarem de flor em flor.

Outras culturas agrícolas polinizadas por abelhas solitárias são o tomate, berinjela, goiaba, urucum, entre outras.