Complexidade genética está por trás de estrutura social de abelhas

O surgimento de sociedades nas quais apenas a rainha se reproduz, como as de algumas espécies de abelhas, é um enigma evolutivo tão antigo quanto a própria teoria da evolução: Charles Darwin o considerava um entrave a sua argumentação. Do século XIX para cá muito mudou em como se entende esse sistema altamente ordenado conhecido como eussocialidade, em que a maior parte dos participantes é estéril e divide tarefas como o cuidado aos jovens e outras funções essenciais à manutenção da colônia.

Agora, graças ao barateamento das tecnologias de sequenciamento e análise de genomas, novos avanços permitem comparações do material genético inteiro de várias espécies.

É o que fez um grupo liderado pela norte-americana Karen Kapheim, da Universidade do Estado de Utah, em artigo publicado na Science desta semana. A conclusão principal é que um aumento na complexidade das redes que interligam os genes está por trás da evolução da eussocialidade.

“As espécies mais sociais têm um número maior de sítios de ligação nas regiões que regulam a atividade dos genes”, explica o biólogo Klaus Hartfelder da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Ele e a colega Zilá Luz Paulino Simões participaram do trabalho publicado na Science com outros integrantes do Laboratório de Biologia de Desenvolvimento de Abelhas (LBDA), uma rede que reúne pesquisadores da USP de Ribeirão Preto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal e da Universidade Federal de Alfenas.

Em linhas gerais, a maior quantidade de sítios de ligação se traduz em versatilidade e flexibilidade em como a expressão de um gene pode ser modulada, formando redes mais complexas: cada gene está potencialmente conectado a um maior número de outros genes. De acordo com o pesquisador, essa capacidade de regulação pode ser importante para as variações que acontecem ao longo da vida de uma abelha social que, conforme a idade, vai mudando de função (cuidar das larvas quando mais jovem e buscar alimento quando mais velha, por exemplo). O resultado também explica o que está por trás das redes de genes que o grupo de Ribeirão Preto já vem observando há cerca de três décadas, e distinguem uma abelha operária de uma rainha.

Genomas

O estudo publicado na Science envolveu espécies cujos genomas já vinham sendo estudados e outras sequenciadas especialmente, num total de dez tipos de abelhas com variáveis graus de socialidade – desde solitárias até altamente sociais, passando por níveis intermediários de complexidade na organização. Nessa lista há animais muito diferentes, que vêm evoluindo separadamente há cerca de 60 milhões de anos – as abelhas-melíferas (gênero Apis) e as sem ferrão (Melipononi). Isso é importante porque esses dois grupos representam duas origens independentes da eussocialidade.

A análise comparada desses dez genomas permitiu identificar, em genes responsáveis pela produção de proteínas, assinaturas diferentes nas transições da evolução social. Nas espécies com sistemas sociais mais avançados, os dados indicaram que dois terços dos genes examinados estão mudando rapidamente, o que indica um efeito direcional da seleção natural. Algumas famílias de genes também parecem estar se diversificando com o aumento da socialidade, como no caso de genes associados à percepção de odores e ao metabolismo de lipídeos. Já genes ligados à detoxificação e defesa contra doenças aparentemente se tornaram mais escassos ao longo da evolução social das abelhas – talvez porque a pressão da seleção natural sobre a imunidade seja menor dentro dos ninhos.

Esses resultados indicam que não há uma receita genética única para a socialidade, novas características devem aparecer a cada novo surgimento desse tipo de organização. A complexidade das redes genéticas, porém, parece ser essencial. Nessa grande comparação, o estudo aponta direções que deverão agora ser investigadas mais a fundo pelos grupos envolvidos.

O artigo Genomic signatures of evolutionary transitions from solitary to group living pode ser acessado por assinantes da Science, no link indicado aqui.

Fonte: Revista Pesquisa Fapesp