O valor econômico da polinização

Por Patrícia Nunes-Silva

Patricia Nunes Silva siteNos últimos tempos muito tem se falado sobre a importância da polinização e seu valor econômico, ou seja, quanto vale a polinização em termos monetários. Algumas avaliações foram feitas, sendo que a mais recente para o Brasil foi publicada em 2024 (baseada nas informações do IBGE 2021), por Oliveira e colaboradores. Esses autores utilizaram a lista de plantas polinizadas apresentadas pela BPBES, composta por 199 espécies de cultivos agrícolas de alimentos, separando as plantas em nativas e exóticas. O valor econômico do serviço da polinização (obtido para 52 cultivos agrícolas dos 199 mencionados) foi de quase US$ 42 bilhões. Neste caso, a grande extensão de soja plantada no Brasil (81,5% da área agrícola total do Brasil é cultivada com plantas exóticas; 46% por soja) foi responsável por cerca de US$ 32 bilhões. O valor da polinização do café foi calculado em US$ 3 bilhões; da laranja e críticos em US$1 bilhão; do açaí em US$ 738 milhões; e do cacau em US$ 737 milhões.

Mas você sabe como esse valor é calculado?

Aqui vamos explicar como os pesquisadores chegam nesses valores, mas, inicialmente, cabe lembrar o que é polinização. 

A polinização é a transferência de grãos de pólen das anteras para os estigmas das flores. Ela pode ser feita pelo vento e pela água, mas a maioria das espécies vegetais depende de um animal para isso, o qual chamamos de polinizador. Se a polinização for realizada no tempo certo, com os grãos de pólen adequados (vamos explicar melhor adiante) e em número suficiente, ocorre a fecundação dos óvulos daquela flor. Esses óvulos se transformam em sementes e o ovário em um fruto. Geralmente quanto maior a quantidade de sementes, maior e/ou mais pesado é o fruto. 

Podemos dizer então que a polinização é o primeiro passo para a produção de sementes, frutos e outros materiais que são produzidos a partir deles. Como ela influencia a quantidade e a qualidade de sementes e frutos produzidos, a polinização interfere no ganho econômico. Estimar esse valor é uma das maneiras de alertar sobre a importância dos polinizadores.

Existem alguns métodos para estimar o valor econômico da polinização, sendo o mais comumente utilizado baseado nos preços de mercado. Assim é preciso saber o valor total da produção da cultura agrícola que se deseja avaliar, dado que pode ser obtido de fontes oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como esse valor varia entre anos, o valor da polinização também variará. Outro dado importante é a taxa de dependência de polinização animal, a qual traduz o incremento (I) de produção causada pela ação dos polinizadores, ou seja, o quanto da produção é resultante da polinização realizada por animais. Como isso é calculado?

O incremento (I) é obtido subtraindo-se a produção resultante da autopolinização ou polinização pelo vento (A) da produção resultante do serviço de polinização por animais.

I = F(X) – A, onde:

– F(X): Produção resultante do serviço de polinização X (polinização natural).

– A: Produção resultante da autopolinização ou polinização pelo vento.

E como os pesquisadores descobrem esses valores?

Para calcular F(X), os pesquisadores analisam quanto é produzido quando as flores são visitadas por polinizadores, contando o número de flores que originam frutos e, quando importante, o número de sementes desses frutos. O mesmo para o cálculo de A, mas nesse caso, impede-se a visita dos polinizadores às flores, geralmente ensacando-as com saco de tecido voil, e/ou realiza-se a polinização manualmente com o pólen da mesma flor ou mesmo indivíduo (autopolinização). Com esses valores, calcula-se o incremento de produção causada pelos polinizadores.

A partir do incremento, então, é obtida a taxa de dependência (TD) de polinização animal de uma espécie de planta. Klein e colaboradores, em 2007, definiram quatro categorias de dependência de polinização animal:

  • Essencial: TD = 0,95, se I varia entre 90% e 100%. Exemplos: maracujá e maçã.
  • Alta: TD = 0,65, se I varia entre 40% e 90%. Exemplos: goiaba e cebola.
  • Modesta: TD = 0,25, se I varia entre 10% e 40%. Exemplos: café e soja.
  • Pouca: TD = 0,05, se I varia entre 0% e 10%. Exemplos: tomate e feijão.

Dessa forma, as plantas apresentam variadas taxas de dependência de polinização animal. Por que isso acontece? 

Existem algumas razões, entre elas a autoincompatibilidade, ou seja, a incapacidade de uma planta formar sementes quando polinizada com o próprio pólen. É um mecanismo genético complexo que pode atuar em vários níveis entre a polinização e a formação da semente. Nesse caso é necessário que um polinizador realize a polinização cruzada, ou seja, entre indivíduos diferentes. Outra razão é a morfologia das plantas. Quando a morfologia floral impede a autopolinização, por exemplo, quando as anteras estão longes dos estigmas em flores hermafroditas, os polinizadores são necessários. Também existem espécies que apresentam flores femininas e masculinas, em um mesmo indivíduo ou em indivíduos diferentes, tornando os polinizadores essenciais. 

Agora que já explicamos quais dados são necessários para estimar o valor monetário da polinização, vamos à metodologia mais comumente utilizada. Ela consiste em simplesmente multiplicar o valor total da produção agrícola pela taxa de dependência de polinização. Para ficar mais claro, vamos voltar no exemplo do açaí e do cacau no Pará.

Açaí

(1) Taxa de dependência por polinização animal: alta (0,65)

(2) Valor total da produção em 2016 no Pará: US$ 977.837.000,00

Valor da polinização animal para a produção: (1)*(2) = US$635.594.050,00

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Abelha em flor de açaí. Crédito: Fototeca Cristiano Menezes

Cacau

Taxa de dependência por polinização animal: essencial (0,95)

Valor total da produção em 2016 no Estado do Pará: US$ 197.486.500,00

Valor da polinização animal para a produção: (1)*(2) = US$ 187.612.175

Apesar de essa ser a maneira mais frequentemente utilizada para estimar o valor da polinização, esse valor pode ainda ser maior, pois esse cálculo leva em conta apenas a quantidade produzida e não a qualidade. Por exemplo, a polinização diminui a quantidade de morangos deformados produzidos e morangos polinizados duram mais que os não polinizados, ou seja, podem ser armazenados por mais tempo. Assim, vemos que a polinização é um serviço essencial prestado por abelhas e outros animais!

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Cacau. Crédito: Ronaldo Rosa / Embrapa

Fontes e informações adicionais

Borges et al. 2020. The value of crop production and pollination services in the Eastern Amazon. Neotropical Entomology, 49: 545–556. https://doi.org/10.1007/s13744-020-00791-w.

BPBES/REBIPP. 2019. Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil. Editora Cubo. https://www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/03/BPBES_CompletoPolinizacao-2.pdf.

Klein et al. 2007. Importance of pollinators in changing landscapes for world crops. Proc. R. Soc. B., 274: 303-313. http://doi.org/10.1098/rspb.2006.372.

Klein et al. 2020. A Polinização Agrícola por Insetos no Brasil. Albert-Ludwigs University Freiburg, Nature Conservation and Landscape Ecology.

Oliveira et al. 2024. Food plants in Brazil: origin, economic value of pollination and pollinator shortage risk. Science of Total Environment, 912: 169147. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2023.169147.

Siopa et al. 2024. Animal-pollinated crops and cultivars – a quantitative assessment of Pollinator Dependence values and evaluation of methodological approaches. Journal of Applied Ecology. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14634.

Wietzke et al. 2018. Insect pollination as a key factor for strawberry physiology and marketable fruit quality. Agriculture, Ecosystems & Environment, 258: 197-204. https://doi.org/10.1016/j.agee.2018.01.036.

Patrícia Nunes-Silva é pesquisadora no Vizlab | X-Reality and GeoInformatics Lab na UNISINOS