Abelhas de orquídeas: qual o tamanho da área de influência sobre elas?

Por Lázaro da S. Carneiro

Entender como diferentes espécies respondem e interagem com o meio e qual a dimensão espacial dessa influência é um desafio para ecólogos. Isso porque as espécies ou indivíduos podem perceber o ambiente diferentemente, de acordo com suas necessidades. Por exemplo, uma abelha solitária voa diariamente em busca de recursos para alimentação e reprodução. A depender de como esses recursos (pólen, néctar ou cavidades para construção de ninhos) estão distribuídos no espaço, esse voo pode se estender de algumas centenas de metros até alguns quilômetros. Se existirem muitos ambientes inóspitos na paisagem, como áreas agrícolas abertas, essa abelha talvez precise voar mais longe para conseguir recursos ou alcançar outras áreas de hábitat. Por isso, cada espécie de abelha pode responder ao contexto espacial em uma escala da paisagem específica, o que os ecólogos chamam de “escala de efeito”. Mas, qual seria a escala de efeito de paisagens agrícolas sobre abelhas com alta dependência florestal? 

abelha euglossini
Abelha Euglossini (Euglossa sp.), modelo do estudo. Crédito: Lázaro Carneiro

Para responder esta pergunta, pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e Universidade Estadual Paulista – UNESP estudaram “abelhas de orquídeas”, tribo Euglossini, em 15 fragmentos florestais de Mata Atlântica. Esses fragmentos estão localizados em paisagens associadas ao cultivo do cafeeiro no Sudeste do Brasil. Este projeto faz parte da chamada pública 32/2017 do CNPq/MCTIC/IBAMA/A.B.E.L.H.A..

Utilizando uma abordagem de análise da paisagem com várias escalas (i.e. raios em metros em torno dos pontos amostrais), os pesquisadores detectaram a extensão espacial em que a quantidade de floresta (%) e a heterogeneidade da paisagem (variação e quantidade de diferentes ambientes naturais e modificados pelo homem) têm maior influência nas espécies de abelhas Euglossini. “Nós observamos que há um maior número de indivíduos dessas abelhas quando há maior quantidade de floresta na escala de 500 m”, afirma o pesquisador Lázaro Carneiro, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da UENF e principal autor do estudo, publicado no volume de Junho da revista Landscape Ecology. “Como esses 500 metros representam principalmente o fragmento florestal onde coletamos as abelhas, nossos dados mostram a importância de conservar essas áreas de floresta em uma escala local”, conclui Carneiro.

Por outro lado, a heterogeneidade da paisagem, que indica a diversidade de usos da terra, como florestas, áreas agrícolas, pastagens e construções antrópicas, teve uma maior influência sobre as espécies raras de Euglossini em uma escala de 1 km.  “Esse resultado nos mostra a importância de manter a paisagem heterogênea, evitando grandes extensões de plantios homogêneos. As espécies raras de Euglossini mantêm alta a diversidade desse grupo de abelhas, que têm grande relevância como polinizadores”, alerta a Profa. Dra. Maria Cristina Gaglianone, coautora do trabalho. “Sugerimos que a manutenção de áreas diversificadas ao redor dos plantios de café, com floresta nas proximidades das plantações, seja incluída como prática de manejo que beneficia os polinizadores nessas paisagens agrícolas”, indica a pesquisadora.

Paisagem cafe
Área de estudo com diferentes usos da terra, onde foi feita a amostragem das abelhas Euglossini no Sudeste do Brasil. Crédito: Lázaro Carneiro.

Um outro aspecto interessante abordado nesse estudo é a importância de se considerar escalas regionais da paisagem, desconsiderando as escalas locais, que representam basicamente os efeitos da mancha florestal onde é feita a coleta dos dados biológicos, ou de áreas próximas. Nesse caso, o estudo indica uma tendência de aumento do número de espécies de Euglossini quando há uma maior heterogeneidade da paisagem na extensão espacial que compreende a zona entre 1,5 km e 2,0 km no entorno das áreas amostrais. “Historicamente, os estudos sempre avaliaram escalas aninhadas, onde a influência de um raio maior sempre considerava também as escalas inferiores no cálculo das métricas de paisagem”, comenta o Prof. Dr. Milton Ribeiro. “Com esta abordagem de escalas desacopladas temos a chance de avaliar efeitos locais e regionais de forma independente, o que representa um grande avanço para estudos de conservação da biodiversidade em contextos de agroecossistemas”, complementa Ribeiro.

O artigo Orchid bees respond to landscape composition differently depending on the multiscale approach, de Lázaro da S. Carneiro, Milton C. Ribeiro, Willian M. de Aguiar, Camila de F. Priante, Wilson Frantine-Silva e Maria Cristina Gaglianone, está disponível em https://link.springer.com/article/10.1007/s10980-022-01442-8.

Lázaro da S. Carneiro é Biólogo e Mestre em Ecologia e Recursos Naturais na Universidade Estadual do Norte Fluminense-UENF