Crédito da imagem em destaque: Antonio Aguiar
Por Aline C. Martins
As abelhas-sem-ferrão são importantes polinizadoras dos ambientes tropicais do planeta. São mais de 500 espécies, 300 apenas nas Américas. Elas são especialmente abundantes em áreas de mata nos biomas Amazônia e Floresta Atlântica, mas também são importantes em outros biomas, como o Cerrado e a Caatinga. Muitas espécies de abelhas-sem-ferrão são utilizadas para a produção de mel e outros produtos da colônia, como pólen e cera. Entre as espécies mais comumente utilizadas para a produção de mel estão a jataí (Tetragonisca angustula) e várias espécies do gênero Melipona, popularmente conhecidas como mandaçaias, tiúbas, uruçus, dentre outras.
As abelhas-sem-ferrão são consideradas generalistas no que diz respeito a suas preferências por flores das plantas nativas e cultivadas. Isso acontece porque as suas colônias contêm muitos indivíduos e, por isso, necessitam de um grande volume de recursos para sobreviver. Portanto, as operárias precisam visitar muitas flores para suprir a demanda de alimento da colônia. Esse alto número de flores visitadas só é alcançado com a visita a muitas espécies diferentes de plantas, especialmente nos ambientes naturais e superbiodiversos, como os ecossistemas do Brasil.
Estudos anteriores já apontavam para uma preferência das abelhas-sem-ferrão por certos tipos de flores. A escolha das operárias, em geral, é guiada pelo tamanho e pela cor da flor, e pela abundância de recursos, como pólen e néctar, entre outros. Porém, ainda sabemos pouco sobre como acontece essa escolha pelas flores e quais são as espécies de plantas mais importantes para as abelhas-sem-ferrão. Conhecer suas preferências florais pode ajudar no seu manejo e em sua conservação, e na compreensão sobre o papel dessas abelhas na polinização das espécies nativas e cultivadas e consequente preservação da nossa biodiversidade.
Em nosso estudo, recém-publicado na revista Scientific Reports (do grupo Nature), nós investigamos as preferências florais de três espécies de abelhas-sem-ferrão: a jataí (Tetragonisca angustula), a mandaguari (Scaptotrigona postica) e a uruçu-amarela (Melipona rufiventris). Para isso, nós instalamos ninhos dessas três espécies em áreas de Cerrado na Reserva do IBGE, no Distrito Federal. Esses ninhos foram mantidos e acompanhados durante quatro meses, de agosto a novembro, entre as estações seca e chuvosa.
Quinzenalmente, coletamos amostras de pólen e mel presentes nos potes de todas as colônias. É importante ressaltar que o pólen é coletado pelas abelhas nas flores e o mel é o produto do néctar, também coletado nas flores. Portanto, ambos carregam informação genética das plantas visitadas pelas abelhas. Após as coletas das amostras, em laboratório do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, extraímos DNA contido no pólen e mel das colônias estudadas. Posteriormente, esse DNA foi sequenciado e analisado na Universidade de Würzburg, na Alemanha, através de uma técnica chamada de DNA metabarcoding.
Essa técnica pode ser utilizada com vários objetivos e tem o poder de identificar a presença de diferentes espécies com base em seu DNA. Em nosso estudo, utilizamos essa técnica para identificar a quais espécies de plantas pertenciam o pólen e o néctar coletados pelas abelhas e armazenados nas colônias estudadas. O DNA metabarcoding também é uma técnica usada para identificar organismos de uma amostra de solo, por exemplo, e para fins forenses, identificando a procedência de pólen ou esporos encontrados em amostras de solo, roupa ou outras superfícies em cenas de crime.
Os resultados obtidos em nosso estudo revelaram padrões interessantes sobre as três espécies de abelhas. A jataí, a mandaguari e a uruçu-amarela visitaram, em média, cerca de 50 espécies de plantas, para obter pólen e néctar, no período e local estudados. Apesar de serem consideradas generalistas, ou seja, visitam uma grande quantidade de flores diferentes, o estudo mostrou que essas abelhas preferem plantas das famílias Myrtaceae (família dos araças, pintagas, cambuí), Asteraceae (assapeixe, margaridas), Euphorbiaceae, Melastomataceae e Malpighiaceae (muricis).
Algumas das espécies mais visitadas foram a erva-de-passarinho (gêneros Struthanthus e Psittacanthus), o pau-pombo (Tapirira guianensis) e o jambolão (Syzygium cumini). As flores preferidas, em geral, são pequenas, brancas e produzem grande quantidade de pólen. As espécies de árvores tiveram um grande destaque na nossa pesquisa, mostrando a sua importância como fonte de alimento, mesmo em áreas de Cerrado.
Essa descoberta é importante, pois ajuda no planejamento de paisagens visando alimentar as espécies de abelhas-sem-ferrão estudadas para potencializar, por exemplo, a produção de mel e ajudar na sobrevivência das colônias em ambientes antropizados.
Em busca de suas fontes preferidas, essas abelhas podem voar mais de 600 m distante de seus ninhos. Essa distância é maior do que o esperado para a jataí, cujo tamanho corporal impede voos muito longos, mas já era prevista para as outras espécies. Estudos anteriores indicam que Melipona, por exemplo, pode voar de 2 a 10 km de distância em busca de recursos florais. Entretanto, vôos muito longos envolvem um elevado grau de estresse e gasto de energia que, em muitos casos, pode não compensar para essas abelhas.
Esse estudo é pioneiro no uso do DNA metabarcoding para pólen de abelhas tropicais. Nossos resultados são promissores e encorajam outros estudos na área, em especial em regiões altamente biodiversas em espécies de abelhas-sem-ferrão, como a Amazônia e a Mata Atlântica. Em longo prazo, é importante entendermos as relações entre abelhas-sem-ferrão e plantas nativas, visando sua conservação e a proteção dos ecossistemas brasileiros, sobretudo frente às mudanças globais.
O artigo “Contrasting patterns of foraging behavior in neotropical stingless bees using pollen and honey metabarcoding” está disponível no site da revista.
Aline C. Martins é bióloga, mestre e doutora em Entomologia e trabalha atualmente na Universidade de Michigan, onde estuda Ecologia e Evolução de abelhas e plantas. O presente estudo foi liderado por pesquisadoras brasileiras e teve apoio do Instituto Serrapilheira. O texto acima foi escrito a convite da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.).