Por Décio Luiz Gazzoni
A teoria da evolução fenotípica, conhecida como efeito Baldwin, datada de 1896, aponta que comportamentos benéficos, adquiridos durante a vida de um indivíduo, podem ser transmitidos à prole. A lógica subjacente é que, se um comportamento benéfico é aprendido, e for mantido em uma população por meio do aprendizado social, é provável que a seleção possa agir para favorecer os indivíduos que expressem o comportamento.
Pela teoria, o que parece meramente instintivo pode lastrear-se no aprendizado, potencialmente explicando a origem evolutiva de muitos comportamentos complexos. Os surpreendentes repertórios comportamentais dos insetos sociais podem ser, em grande parte, inatos. Mas esses insetos demonstram capacidades notáveis para o aprendizado individual e social, o que explica sua enorme capacidade evolutiva e competitiva.
A diversidade de comportamentos observados em algumas sociedades de insetos é igual ou superior à de alguns mamíferos, e inclui a construção de ninhos de arquitetura complexa, com divisão do trabalho entre forrageamento, cuidados com as crias e defesa do ninho. De fato, suas estruturas de nidificação são incomparáveis em termos de regularidade, sofisticação e escala. Há uma profunda variação nas especializações de forrageamento, arquiteturas e organizações sociais, não apenas entre espécies relacionadas de insetos sociais, mas de forma intrigante, mesmo dentro das espécies.
Embora essas especializações tenham sido historicamente vistas como um conjunto limitado de respostas pré-programadas a estímulos externos, resultantes de processos evolutivos de tentativa e erro, esse repertório inato é complementado por uma notável capacidade de aprendizado reconhecida há décadas. A aquisição da linguagem da dança das abelhas é, talvez, o exemplo mais bem caracterizado de aprendizado social descrito até agora em um invertebrado. Em 1884, Charles Darwin sugeriu que o “roubo de néctar” de flores pelas abelhas poderia se espalhar na colônia, por aprendizado observacional.
Aprendendo a solucionar quebra-cabeças
A equipe da profa. Alice Bridges, da Queen Mary University, localizada em Londres, usou a espécie de abelha Bombus terrestris como modelo para observar a transmissão de novos comportamentos entre indivíduos da espécie.
Para determinar se as abelhas poderiam aprender e manter um comportamento que as favoreça, foram utilizadas caixas de um quebra-cabeça, com duas opções para sua abertura, girando uma tampa em torno de um eixo central. Em uma das variantes, a abelha deveria empurrar uma aba vermelha no sentido horário; em outra, empurrar uma aba azul no sentido anti-horário. Em ambos os casos, após empurrar a alavanca, teriam acesso a uma recompensa, que era uma solução de sacarose identificada por um alvo amarelo.
As abelhas foram divididas em três grupos. Em um deles, chamado de controle, não havia nenhuma abelha que já dominasse a solução para o quebra-cabeça, acionando a alavanca azul ou vermelha. Em outros dois grupos, juntamente com abelhas que não dominavam a solução, foram colocadas abelhas instrutoras, que haviam aprendido a mover a alavanca. Em um dos grupos as instrutoras sabiam mover a aba vermelha, em outro a aba azul, para ter acesso à recompensa.
Assim, as abelhas instrutoras usavam o método que haviam aprendido para abrir a tampa, e receber a recompensa, enquanto as demais abelhas as observavam.
O aprendizado
Os cientistas verificaram que o comportamento de abertura de caixa foi rapidamente aprendido pelas abelhas, e se espalhou pelas colônias. Também foi notado que, em 98% das vezes, havia preferência das abelhas por usar o método que haviam aprendido das instrutoras (usar apenas a alavanca vermelha ou a azul), mesmo quando as abelhas descobriram que havia um método alternativo, que conduzia ao mesmo resultado.
Já no grupo controle, que não tinha uma instrutora, algumas abelhas abriram espontaneamente as caixas do quebra-cabeça, mas foram significativamente menos proficientes do que aquelas que aprenderam com um demonstrador. Os cientistas concluíram que o aprendizado social era crucial para o domínio da abertura da caixa.
Em experimentos adicionais, onde havia instrutoras presentes, que dominavam uma ou outra solução em proporções semelhantes, foi observado que uma única variante se tornava a dominante. Isso pode indicar um pragmatismo cultural, evitando dispersão de esforços no aprendizado.
Finalmente, os cientistas verificaram que o comportamento de abertura da caixa persistiu ao longo do tempo entre as abelhas que aprenderam o método com instrutoras, mas o comportamento poderia ser extinto no grupo controle, no decurso do tempo. Esse conjunto de verificações mostra a enorme capacidade de aprendizado social das abelhas, e a sua importância como um fator que pode conferir vantagens competitivas que melhoram a eficiência das colônias.
Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico da A.B.E.L.H.A. e do Conselho Científico Agro Sustentável