O Presidente do Comitê Executivo da A.B.E.L.H.A., Daniel Cavalcante, está no Chile acompanhando os trabalhos da Associação na Apimondia 2023 e, de lá, concedeu ao site uma entrevista sobre o mercado de mel no Brasil e no mundo e os desafios para fortalecer a criação de abelhas no País como atividade forte, profissional e rentável.
Qual o cenário da produção de mel no mundo?
Daniel Cavalcante – O cenário da produção de mel no mundo é bastante diversificado, influenciado por diversos fatores, como geografia, clima, floração das plantas, práticas apícolas e demanda do mercado.
Os principais produtores de mel são a Austrália (105kg/ano/colmeia), China (50kg/ano/colmeia), Argentina (35kg/ano/colmeia), Estados Unidos (30kg/ano/colmeia) e México (25kg/ano/colmeia). Esses países têm um volume de produção significativo por terem extensas áreas de cultivo, diversidade de floração e investimento em apicultura profissional.
E no Brasil? Qual o perfil do apicultor e o que pode ser feito para aumentar a produtividade?
Daniel Cavalcante – O Brasil ainda está abaixo dos principais produtores de mel, com apenas 19kg por colmeia/ano. E como mais de 80% do volume produzido é direcionado para exportação, esse baixo volume se reflete no consumo da população, que é menor do que a de outros países, como Estados Unidos, Alemanha e até de vizinhos, como a Argentina.
A apicultura é uma atividade extremamente importante, especialmente em regiões com grande biodiversidade. O apicultor brasileiro é, na maioria das vezes, um pequeno produtor familiar, com 50 colmeias ou menos que tem a apicultura como um complemento de renda e não uma atividade principal. Assim, estes produtores dedicam praticamente todo o seu tempo para outras culturas (milho, leite, mandioca, hortaliças…), deixando a apicultura como a quarta ou quinta opção, levando a atividade a patamares de produção em inferiores que outros países.
Para aumentar a produtividade, é necessário investir em capacitação técnica, adoção de práticas sustentáveis, incentivo à descoberta de novas tecnologias, fortalecimento de politicas publicas e, principalmente, um trabalho de conscientização junto aos produtores de outras culturas, como soja, cana de açúcar e milho, quanto ao uso racional e responsável dos defensivos agrícolas, de modo a termos uma convivência harmônica e sustentável entre agricultura e apicultura.
Qual o papel da A.B.E.L.H.A. na capacitação dos criadores de abelhas? Como as boas práticas apícolas podem contribuir para a qualidade e a quantidade de mel produzido no País?
Daniel Cavalcante – A A.B.E.L.H.A. desempenha um papel fundamental na capacitação dos criadores de abelhas no Brasil. Ela oferece treinamentos, workshops e informações sobre boas práticas apícolas, que incluem o manejo adequado das colmeias, controle de doenças e pragas, preservação do ambiente e promoção da saúde das abelhas, o que contribui para a manutenção da qualidade e o aumento da quantidade do mel produzido no país.
Interessante ressaltar que a Associação é a principal fonte de informações sobre abelhas e seus produtos e serviços do Brasil, promovendo geração de conhecimento para um público amplo e heterogêneo, por meio da publicação de diversos materiais entre artigos, vídeos e cartilhas de fácil compreensão e com alta taxa de aplicabilidade.
Como você avalia a importância socioeconômica da apicultura e da meliponicultura no Brasil?
Daniel Cavalcante – Essas atividades contribuem para a geração de mais 350 mil empregos diretos e indiretos, para o comércio internacional, já que 80% de todo o mel produzido no Brasil é exportado. Elas também impactam diretamente na conservação ambiental e na preservação cultural, consolidando-se como componentes essenciais do desenvolvimento sustentável do país. A criação de abelhas, em particular, é uma atividade que possui um impacto significativo para pequenos apicultores, que representam 49% da produção nacional de mel, já que sustentam suas famílias por meio dessa atividade. Muitas delas, especialmente em áreas rurais e de baixa renda, investem na apicultura, o que diversifica suas fontes de recursos e melhora suas condições de vida.
Desta forma, é categórico afirmar que a apicultura atende, plenamente, o tripé da sustentabilidade, gerando renda no campo, uma melhor qualidade de vida e, sem sombras de dúvidas, contribui com a biodiversidade através da polinização de florestas, pastos, matas e lavouras, permitindo a regeneração e manutenção da flora e, consequentemente, da fauna local, além de propiciar uma maior produtividade e qualidade de frutas e leguminosas
O brasileiro ainda consome menos mel anualmente do que muitos outros países. Há potencial para ampliação do consumo? Quais os principais gargalos?
Daniel Cavalcante – Hoje, o consumo de mel no Brasil ainda é muito baixo com apenas 60g per capita por ano, enquanto países como Estados Unidos e Alemanha consomem mais de 900g per capita por ano, e a Suíça, que é o maior consumidor, tem um consumo de 1.500g. No entanto, existe potencial para ampliação desse volume por meio de campanhas de conscientização sobre os benefícios do mel para a saúde, desenvolvimento de produtos derivados do mel e parcerias com as indústrias alimentícia e farmacêutica. Os principais gargalos incluem o abandono da categoria do mel no varejo brasileiro, falta de profissionalização e promoção de sustentabilidade do setor apícola brasileiro, bem como o desconhecimento por parte da população das propriedades nutricionais e terapêuticas dos produtos das abelhas.
O aumento da demanda pelos brasileiros pode ser gerado, também, pelo consumo indireto, onde o mel, que é considerado um adoçante natural e saudável, é utilizado como ingrediente na formulação produtos alimentícios em praticamente todas as áreas, tais como panificação, laticínios, biscoitos e compotas.
Do ponto de vista nutricional, estudos científicos indicam que o mel tem características importantes, assim como a própolis. Como esses produtos podem ser aliados na promoção da saúde humana?
Daniel Cavalcante – Consumir produtos com tantos benefícios, como o mel, é uma ótima forma de explorar, cada vez mais, a saudabilidade de alimentos que também são saborosos. O mel é uma fonte de energia natural, rico em vitaminas, sais minerais, enzimas e antioxidantes, que pode ser consumido com frutas, pães, doces e bolos, como uma alternativa para o açúcar refinado, que é um alimento com altos índices de sacarose e sem benefícios nutricionais. Enquanto isso, o extrato ou spray de própolis contribui para melhorar a imunidade, aliviar a garganta no tempo seco, além de ter propriedades cicatrizante e anti-inflamatória muito potente.
Como a ciência sobre abelhas e mel pode contribuir para a formulação de políticas públicas de incentivo à criação de abelhas e à produção de mel e outros produtos?
Daniel Cavalcante – A apicultura brasileira ainda é muito arcaica e com baixíssima tecnificação. A ciência sobre abelhas e mel desempenha um papel fundamental na formulação de políticas públicas eficazes que incentivem a capacitação dos apicultores. Investir em pesquisa para melhorar o manejo das colmeias, combater doenças e pragas, além de promover a conservação de habitats naturais para abelhas, são aspectos essenciais que podem orientar políticas de apoio à apicultura sustentável e à produção de mel. O conhecimento científico permite abordagens mais informadas, sustentáveis e voltadas para o futuro, garantindo não apenas o sucesso econômico da apicultura como também a preservação do meio ambiente e a promoção da saúde humana.
Daniel Cavalcante é CEO da Baldoni Agroindústria e Conselheiro do Conselheiro Superior de Agricultura (COSAG) da FIESP