O papel das abelhas irapuás como polinizadores na agricultura e em habitats degradados
Por Tereza Cristina Giannini e Rodolfo Jaffé
No Brasil, é possível encontrar uma abelha nativa sem ferrão muito comum e que ocorre em quase toda a América do Sul. Ela é conhecida como irapuá (Trigona spinipes). É uma espécie que forma colmeias grandes com muitos milhares de indivíduos, e que pode construir seus ninhos aéreos (não depende de ocos de árvores ou outras cavidades).
Três trabalhos foram publicados sobre a irapuá esse ano, todos liderados por dois pesquisadores que desenvolveram seus posdocs na Universidade de São Paulo (USP). Esses três trabalhos mostraram que essa espécie é importante para polinizar algumas plantas agrícolas, que ela é dominante nas redes de interação entre plantas e abelhas no Brasil, e que ela é um importante polinizador em áreas degradadas, que geralmente apresentam baixa diversidade de polinizadores.
O primeiro artigo, liderado pela Dra. Tereza Cristina Giannini, do Instituto Tecnológico Vale – Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS) em Belém do Pará, foi publicado pela revista Apidologie. Nesse trabalho, a pesquisadora buscou determinar quais os polinizadores mais importantes para polinizar plantas de interesse econômico através de uma revisão feita na literatura científica. A polinização é um processo de transferência de grãos de pólen de uma flor para outra. Essa transferência pode ser feita de várias maneiras, e uma das mais comuns é a que envolve animais. Esses animais, ao visitarem as flores para se alimentar de pólen ou néctar, acabam ficando com os grãos de pólen aderidos em seus corpos. Ao se deslocarem entre as flores, eles levam os grãos de uma flor para a outra. O grão de pólen ao ser depositado na flor, se funde ao óvulo, o que dará origem às sementes e frutos. Assim, a produção de frutos e sementes de muitas plantas agrícolas depende da polinização por animais, daí a importância do tema.
Nessa pesquisa foi evidenciado que a abelha irapuá é o polinizador efetivo de 10 espécies agrícolas: acerola, cenoura, chuchu, girassol, laranja, manga, morango, abóbora, pimentão e romã. Ademais, foi considerada como um polinizador potencial de 16 outros cultivos: melão, urucum, canola, melancia, tangerina, coqueiro, pinhão-manso, macadamia, abacate, pessegueiro, goiaba, beringela, cajazeira, e umbu. Dessas 26 culturas citadas, onze delas apresentam dependência essencial ou grande por polinizadores.
Essa dependência também foi estimada e apresentada em um artigo publicado nesse ano pelo Journal of Economic Entomology. Culturas que apresentam uma dependência essencial ou grande por polinizadores têm a produção muito reduzida na ausência desses animais. No caso, as culturas citadas que apresentam dependência essencial são abóbora, acerola, cajazeira, macadamia, melancia e urucum. Já as que apresentam grande dependência são abacate, girassol, goiaba, pessegueiro e pinhão-manso. Assim, a irapuá representa um importante polinizador para a agricultura, especialmente considerando sua ampla distribuição geográfica.
Num segundo trabalho, publicado na revista PlosOne, a irapuá foi comparada com a abelha do mel (Apis mellifera). A abelha do mel é exótica no Brasil ou seja, não é uma espécie nativa. A variedade europeia foi trazida para o País no século 19 e depois cruzou com a espécie africana, que por sua vez foi trazida ao redor de 1950. Assim, essa abelha é atualmente chamada de “africanizada” por ser um mistura dessas duas variedades.
A abelha do mel, de forma semelhante à irapuá, também apresenta colmeias com muitos indivíduos, constroi seus ninhos aéreos e também possui ampla distribuição na América do Sul. Além disso, ambas possuem uma característica marcante que é a de visitar e coletar alimento (néctar e pólen) em uma enorme quantidade de flores oriundas de plantas diferentes. As espécies que apresentam esse tipo de comportamento são chamadas de “supergeneralistas”. Essas espécies são muito importantes em estudos de interação entre plantas e abelhas. Essas interações formam verdadeiras redes, semelhantes às redes sociais da internet, que apresentam características que podem ser medidas e avaliadas.
Nesse segundo trabalho foi avaliado o papel da irapuá e da abelha do mel em redes de interações entre abelhas e plantas em 21 localidades no Brasil, desde o norte até o sul, e em diversos tipos de habitats. Apesar das semelhanças, as duas abelhas têm papéis diferentes nas redes, sendo que a irapuá apresenta um efeito maior sobre o padrão de interação das outras abelhas. Além disso, ambientes sem vegetação natural, no caso, cidades e ambientes agrícolas, possuem um efeito positivo nas abelhas irapuás. Ou seja, o trabalho mostrou que ambientes degradados não afetam essa espécie, que aparentemente, conseguem se adaptar a eles e sobreviver em condições que outras abelhas não conseguiriam, e ainda continuar a ser dominantes nas redes de interação com as plantas locais.
Finalmente, em um terceiro trabalho, publicado esse ano na Conservation Genetics e liderado pelo Dr. Rodolfo Jaffé ( ITV-DS em Belém), mostrou que as abelhas irapuás conseguem se dispersar por longas distâncas e são capazes de colonizarem ambientes degradados. Por meio de ferramentas de sequenciamento genético de última geração, foram desenvolvidos novos marcadores moleculares, que foram então usados para genotipar as abelhas. Com apoio da Universidade do Texas em Austin foi possível analisar os dados e estimar o grau de relacionamento genético entre as abelhas coletadas em diferentes ambientes, com diferentes graus de degradação.
Os resultados mostraram que essa espécie de abelha percorre grandes distâncias e não foi encontrada diferença genética significativa, mesmo entre as abelhas coletadas em locais muito distantes. Além disso, foi testado se existiria algum tipo de barreira que pudesse impedir essa troca de genes entre os indivíduos. O resultado foi negativo, uma vez que as mesmas sequências genéticas foram encontradas em indivíduos cujas populações estavam separadas por diferentes coberturas vegetais (vegetação natural, cidades, áreas abandonadas, áreas agrícolas, pastagens e áreas com diferentes altitudes), indicando que essas espécies podem se cruzar e dispersar entre áreas muito heterogêneas.
Assim, esse resultado, obtido com métodos diferentes do trabalho anteriormente citado, também concluiu que a irapuá é muito bem adaptada a locais cujo ambiente foi degradado. Isso a torna um importante “polinizador de resgate”, ou seja, uma espécie hábil em executar a polinização mesmo em locais degradados onde muitas espécies não são mais capazes de sobreviver.
Seria interessante averiguar, futuramente, o quanto a irapuá poderia ser útil para projetos de restauração de áreas degradadas. Pelo menos potencialmente, essa espécie poderia auxiliar na reprodução das plantas em locais onde não há, ou há pouca, diversidade de outras espécies de polinizadores para suprir esse serviço, especialmente nas primeiras fases do processo de recuperação de habitats.
Artigos citados:
Giannini T.C., Boff S., Cordeiro G.D., Cartolano Jr. E.A., Veiga A.K., Imperatriz-Fonseca V.L., Saraiva A.M. 2015. Crop pollinators in Brazil: a review of reported interactions. Apidologie 46: 209-223. URL: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs13592-014-0316-z
Giannini T.C., Cordeiro G.D., Freitas B.M., Saraiva A.M., Imperatriz-Fonseca V.L. 2015. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108: 849-857. URL: http://jee.oxfordjournals.org/content/early/2015/05/03/jee.tov093
Giannini T.C., Garibaldi L.A., Acosta A.L., Silva J.S., Maia K.P., Saraiva A.M., et al. 2015. Native and non-native supergeneralist bee species have different effects on plant-bee networks. PLoS ONE 10: e0137198. URL: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0137198
Jaffé R., Castilla A., Pope N., et al 2015. Landscape genetics of a tropical rescue pollinator. Conserv Genet. doi: 10.1007/s10592-015-0779-0 URL: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10592-015-0779-0
Tereza Cristina Giannini e Rodolfo Jaffé são pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale – Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS)