Cientistas publicam o primeiro mapa global com 20 mil espécies de abelhas

Existem milhares de espécies de abelhas distribuídas pelo mundo, e nem mesmo os biólogos são capazes de localizá-las com facilidade. Graças a um grupo de pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade Nacional de Singapura, isso mudou. Nesta quinta (19), eles publicaram no periódico especializado Current Biology o primeiro mapa global de espécies de abelhas – que servirá de subsídio para a criação de políticas públicas de conservação.

Essa base inédita contém dados detalhados sobre 20 mil espécies de abelha. Com esse número, já dá para imaginar que não foi nada fácil montá-la: os pesquisadores analisaram quase seis milhões de dados de ocorrência de espécies disponibilizados em bancos públicos. Então, bateram esse material com uma lista de verificação desenvolvida por John Ascher, um entomologista renomado.

Por exemplo: se em um banco o nome de uma espécie estivesse grafado Bombus terrestris, e em outro, Bombus terrestri – sem o último “s” – eles teriam que excluir o segundo para não contar a mesma espécie duas vezes.

O resultado final trouxe uma revelação sobre as espécies de abelhas. Ao contrário do que muitos biólogos imaginavam, estes insetos apresentam um raro gradiente latitudinal bimodal. Oi? É bem simples, na verdade: significa que as abelhas são mais abundantes em climas áridos e temperados, localizados longe da linha do Equador.

Esse padrão de distribuição geográfica é o oposto do observado na maioria dos outros animais – na média, a biodiversidade da Terra é muito maior nos arredores do Equador, onde é quente e úmido, do que em lugares mais secos e frios.

global map current biology bees
Current Biology/Reprodução

A suspeita de que as abelhas seguem esse padrão data da década de 70, mas ainda não havia sido possível comprová-lo por falta de dados.

Há algumas hipóteses para explicar tal anomalia. De acordo com os pesquisadores, a abundância de abelhas nessas regiões pode estar relacionada à grande quantidade de plantas rasteiras – que florescem nas temporadas chuvosas e servem de alimento. Florestas densas e repletas de árvores, por outro lado, não são fontes de alimento tão adequadas às necessidades desses bichinhos.

Mais do que confirmar hipóteses do passado, a pesquisa incentiva um olhar mais cuidadoso para o futuro.

As abelhas são essenciais para a agricultura. A polinização realizada por esses insetos é responsável por girar US$ 500 bilhões todos os anos. Apenas uma pequena parcela das 20 mil espécies de abelha contribui com o esforço humano de produção de alimentos. Uma delas é a Apis mellifera – a famosa abelha amarelinha de listras pretas. Esses espécies acabam sendo mais estudadas por darem lucro, e assim se tornam mais famosas entre leigos.

É importante conservar essas abelhas, já que sem elas a nossa civilização entraria em colapso. E o mapa ajuda com isso. Mas o mapa também ajuda a divulgar abelhas underground, que estão fora do radar do público não especializado: muitas crianças sequer imaginam que existem abelhas de outras cores.

As abelhas também são essenciais para a manutenção da biodiversidade. De acordo com Denise Alves, pesquisadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP e integrante do comitê científico da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), a importância da polinização vai muito além da esfera econômica. Ela é um elo importante na delicada cadeia de fenômenos naturais que asseguram a fertilidade do solo, a proteção a enchentes e a purificação da água.

“Conhecer a nossa diversidade de abelhas em nível global é muito importante. Talvez esse trabalho nos mostre quais são as áreas para as quais nós devemos olhar com mais cuidado na hora de planejar programas de conservação.”

Esses programas são urgentes. Uma pesquisa publicada em 2016 pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) com apoio da ONU indica que 40% das espécies de abelha que ocorrem na Europa e na América do Norte correm risco de extinção. O estudo não considerou outros continentes por falta de informações.

Os dados disponibilizados no mapa se tornam uma arma poderosa quando combinados às previsões das ciências atmosféricas sobre o futuro do clima no planeta. A diminuição no número de insetos polinizadores como consequência do aumento médio na temperatura global deve afetar o Brasil e muitos outros países em desenvolvimento que são economicamente dependentes da agricultura.

Fonte: Revista Superinteressante e Current Biology