O meloeiro (Cucumis melo) é uma trepadeira rastejante que pertence à família Cucurbitaceae e é nativa do Sudoeste da Ásia. No Brasil é cultivado principalmente na região Nordeste, em plantações abertas (Klein et al. 2020).
Polinização por animais
O meloeiro possui flores masculinas e hermafroditas ou femininas na mesma planta e, geralmente, aceita autopolinização do tipo geitonogamia, o que significa que uma flor hermafrodita ou feminina pode ser fertilizada e se desenvolver em um melão ao receber o pólen de outras flores hermafroditas ou masculinas da mesma planta. No entanto, como os grãos de pólen do meloeiro são viscosos e pesados, necessitam de insetos polinizadores para efetuar a transferência das anteras (parte masculina) para o estigma (parte feminina) da flor, caso contrário, os grãos de pólen permanecem aderidos às anteras (Williams 1987; Kiill et al. 2015; Klein et al. 2020).
Além disso, quando o pólen é experimentalmente transferido via polinização manual cruzada, há um vingamento de 98% dos frutos (Sousa et al. 2009). O meloeiro é, portanto, um cultivo essencialmente dependente de polinização realizada por animais para a fecundação das flores (Klein et al. 2020).
Por ser essencialmente dependente de polinização realizada por insetos, se toda uma plantação de melões fosse isolada e suas flores não recebessem visitas de seus polinizadores, haveria uma redução de mais de 90% na produção. Ao visitarem as flores, os polinizadores realizam a transferência de pólen (que contém o gameta masculino) das anteras para o estigma da flor – o que garante a fecundação e, logo, a formação do fruto.
Visita das abelhas
No meloeiro, a polinização é realizada por abelhas, principalmente pela abelha-africanizada (Apis mellifera), que visita as flores para a coleta de néctar e pólen (Sousa et al. 2009; Kiill et al. 2011; Siqueira et al. 2011; Ribeiro 2012).
Os períodos de floração e colheita do melão ocorrem durante o ano todo. As principais variedades cultivadas no Brasil são: Amarelo (Natal, Goldex, Dali), Cantaloupe (Caribbean Gold, Rangers, Pitayo), Charentais (Magrite, Magistro), Gália (DRG 3228, Eldoor, Gladial), Pele de Sapo (Grand Prix, Ricura, Finura) e Honey Dew (Dino, Orange Country) (Klein et al. 2020).
Um estudo recente demonstrou que as flores de diferentes variedades de meloeiro cultivadas no Brasil (Cantaloupe, Charentais, Gália, Pele de Sapo e Amarelo) variam em sua atratividade para os polinizadores, e a resposta para isso está na variação dos compostos voláteis exalados pelas flores. Cada variedade de meloeiro apresenta um conjunto diferente de compostos, incluindo atraentes ou repelentes. A presença do volátil relacionado à repelência é determinante no comportamento das abelhas, mesmo quando há compostos atrativos. Por exemplo, enquanto Cantaloupe foi a variedade mais visitada pelas abelhas por apresentar apenas um composto repelente – e em pequena quantidade – e vários compostos atrativos, as flores de Charentais apresentaram um composto atrativo em pequena quantidade e o restante repelente, alguns em grande quantidade, o que determinou a menor visitação das abelhas. Além disso, o mesmo estudo verificou que a composição do néctar varia entre as flores masculinas e as flores hermafroditas, levando as abelhas a preferirem visitar as flores hermafroditas – que disponibilizam mais néctar (Fernandes et al. 2019).
Entre as aplicações desses conhecimentos está o desenvolvimento de novas variedades com tipos de compostos voláteis e composição de néctar mais atraentes aos polinizadores, além da necessidade de fazer um manejo de polinização ajustado para cada variedade de meloeiro.
Ganho para os dois lados
Por ser uma abelha manejada, os produtores de melão usam colmeias da abelha-africanizada em suas plantações na época de floração, pois, além de aumentar o número de frutos (Ribeiro et al. 2012), a polinização realizada pela abelha-africanizada também contribui para a formação de frutos com maior número de sementes e mais pesados (Sousa et al. 2009). Para se ter ideia da importância de uma polinização adequada, as flores de meloeiro necessitam receber pelo menos 500 grãos de pólen viáveis para que ocorra a formação de frutos dentro do padrão exigido pelo mercado, e um maior número de visitas favorece a maior deposição de grãos de pólen no estigma (Sousa et al. 2009). Para maximizar a produtividade do meloeiro, são necessárias 4 colmeias por hectare (Sousa et al. 2013).
No entanto, para obter sucesso na introdução de colmeias para polinização agrícola é preciso planejamento com base nas características das variedades cultivadas e das abelhas. Assim, com o objetivo de disponibilizar de forma acessível informações sobre a importância da polinização no incremento da produtividade do meloeiro no Brasil, foi publicado, pela pesquisadora Lúcia Helena Piedade Kiill e colaboradores, o documento Polinização do meloeiro: biologia reprodutiva e manejo de polinizadores. O material também aborda sobre as melhores práticas de manejo, tanto das plantações quanto das colmeias da abelha-africanizada, para uma polinização adequada.
O uso do serviço de polinização agrícola é bem difundido nos dois Estados com maior produção de melão, Rio Grande do Norte e Ceará, onde 100% das áreas adotam a introdução de colmeias (Kiill et al. 2015). As abelhas são tão importantes e vitais para a produção de melão que alguns produtores, principalmente as grandes empresas, possuem suas próprias colmeias para a polinização de seus pomares. Outros produtores, geralmente os menores, alugam colmeias de apicultores, gerando renda alternativa à produção de mel e outros produtos.
Em um contexto de parceria, vale destacar a necessidade de comunicação contínua entre produtores de melão e apicultores para uma convivência sinérgica e produtiva, permitindo a tomada de decisões em comum acordo, incluindo a transferência das colmeias para áreas seguras ou fechamento das colmeias antes, durante e algum tempo após a pulverização de defensivos químicos nos casos em que tal manejo for necessário.
Produção e Exportação
A produção brasileira em 2020, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 613,9 mil toneladas, com um valor de produção de quase R$ 624 milhões. Os polinizadores contribuíram com mais de R$ 592 milhões do valor total de produção de 2020 (cálculo realizado com base na metodologia de Giannini et al. 2015), que corresponde ao montante que os produtores deixariam de ganhar sem o serviço de polinização realizado pelas abelhas.
De acordo com o IBGE, os maiores produtores foram o Rio Grande do Norte, o Ceará e a Bahia, que somaram 84% da produção brasileira em 2020. O Rio Grande do Norte liderou com 61% da produção (375,5 mil toneladas), seguido por Ceará com 12% (73,8 mil toneladas) e Bahia com 11% da produção (65,6 mil toneladas). Os municípios de Mossoró (224 mil toneladas) e Tibau (72,5 mil toneladas), no Rio Grande do Norte, e Ribeira do Amparo (39 mil toneladas) na Bahia foram os maiores produtores de melão.
O Brasil também é um exportador de melões. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS), com dados compilados do sistema AGROSTAT/MAPA, o Brasil exportou mais de 236,2 mil toneladas de melão em 2020 (que correspondeu a 38% da produção total no mesmo ano), sendo a Holanda o principal comprador da fruta (35% do total exportado). Em 2020, houve uma diminuição de 6% nas exportações em relação a 2019, com um faturamento de US$ 148 milhões.
Práticas amigáveis aos polinizadores
Além do uso de colmeias da abelha-africanizada para a polinização das flores do meloeiro, é essencial adotar práticas de manejo para promover a atração e a permanência das abelhas e outros polinizadores nas propriedades, pois sua presença aumenta significativamente a produção e a qualidade dos frutos. Vale ressaltar que ações de melhoria na qualidade dos habitats para os polinizadores também promovem a melhoria de outros serviços ambientais, como a regulação natural de populações de pragas, a proteção dos mananciais de água e a fertilidade do solo.
As abelhas não sobrevivem apenas com os recursos disponibilizados pelos cultivos, assim é fundamental que existam na propriedade fontes alternativas de pólen e néctar no período em que as plantações de melão não estão florescendo. A conservação e a recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RLs), conforme determina o Código Florestal Brasileiro, bem como o plantio de espécies de plantas nativas ao redor dos cultivos, fornecem alimento ao longo do ano e substratos para a construção de ninhos pelos polinizadores, incluindo os silvestres.
A pulverização de defensivos agrícolas deve ser evitada no período de floração, dado que foram registradas reduções de até 70% na frequência de visitação da abelha-africanizada em plantações após a aplicação de defensivos químicos. Além disso, as abelhas só retomam o padrão normal de visitação às flores do meloeiro entre três e cinco dias após a aplicação (Siqueira et al. 2012). Porém, se o tratamento fitossanitário for indispensável para evitar danos econômicos na plantação, cuidados especiais devem ser adotados para não atingir as abelhas, como dar preferência a técnicas agronômicas de Manejo Integrado de Pragas (MIP).
A pulverização deve ser realizada com produtos de baixa toxicidade para as abelhas, ao final da tarde ou pela noite, quando elas não estão em atividade no campo. Foi observado que as abelhas começam a visitar as flores do meloeiro a partir de 6h, estendendo-se até às 17h. Em plantações de melão Amarelo em Juazeiro (BA), houve maior visitação de abelhas nas flores entre 8h e 11h (Siqueira et al. 2011). Em plantações em Petrolina (PE), o pico de visitação foi diferente entre as variedades, ocorrendo das 11h às 12h para o Amarelo, das 10h às 11h para o Cantaloupe e das 15h às 16h para o Pele-de-Sapo (Kiill et al. 2011).
É essencial seguir todas as recomendações presentes nos rótulos e bulas, observando rigorosamente as boas práticas de tecnologia de aplicação dos produtos, incluindo medidas para evitar a deriva (porção do defensivo aplicado que não atinge o alvo desejado).
O apicultor, por sua vez, deve adotar as melhores práticas de manejo apícola, de acordo com a época do ano, visando a manutenção de colmeias populosas, saudáveis e adequadas para a polinização das plantações. Para o bom convívio das colmeias com os colaboradores, deve-se respeitar a regra de manter as colmeias a 300 metros da passagem de pessoas e animais, evitando-se tratores, motores, motos ou outras fontes de ruído, para evitar ataques (Kiill et al. 2015).
Texto produzido pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), em colaboração com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS).
Referências
Fernandes NS et al. (2019) Volatile Organic Compounds Role in Selective Pollinator Visits to Commercial Melon Types. Journal of Agricultural Science 11, 93-108.
Giannini TC et al. (2015) The Dependence of Crops for Pollinators and the Economic Value of Pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108, 849-857.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal (2020) Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html?=&t=sobre. Acesso em: 09 nov 2021.
Kiill LHP et al. (2011) Avaliação do padrão de visitação de Apis mellifera em três cultivares de meloeiro, em Petrolina-PE, Brasil. Revista Brasileira de Fruticultura Volume Especial, 455-460.
Kiill LHP et al. (2015) Polinização do meloeiro: biologia reprodutiva e manejo de polinizadores. Rio de Janeiro, RJ: Funbio.
Klein AM et al. (2020) A Polinização Agrícola por Insetos no Brasil. Um Guia para Fazendeiros, Agricultores, Extensionistas, Políticos e Conservacionistas. Albert-Ludwigs University Freiburg, Nature Conservation and Landscape Ecology.
Ribeiro MF (2012) Polinização do meloeiro (Cucumis melo). Petrolina, PE: Embrapa Semiárido.
Siqueira KMM et al. (2011) Comparação do padrão de floração e de visitação do meloeiro do tipo Amarelo em Juazeiro-BA. Revista Brasileira de Fruticultura Volume Especial, 473-478.
Siqueira KMM et al. (2012) Effect of agrochemicals on the pattern of visitation of honey bees (Apis mellifera) in melon (Cucumis melo) flowers in Brazilian Northeast. Julius-Kühn-Archiv 437, 180-183.
Sousa RM et al. (2009) Requerimentos de polinização do meloeiro (Cucumis melo L.) no município de Acaraú-CE-Brasil. Revista Caatinga 22, 238-242.
Sousa RM et al. (2013) Densidade de colmeias com abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) para polinização da cultura do melão (Cucumis melo L.) no estado do Ceará – Brasil. ACTA Apicola Brasilica 1, 09-12.
Williams P (1987) Pollination of melons. Australian Bee Journal 68, 18-21.