Melancia

Melancia

A melancieira (Citrullus lanatus) é uma trepadeira rastejante que pertence à família Cucurbitaceae e é nativa da África. No Brasil é cultivada em diversos Estados, com destaque para o Rio Grande do Norte, em plantações abertas (Klein et al. 2020).

Polinização por animais

A maioria das variedades comerciais de melancia possui flores masculinas e femininas isoladas e distribuídas no mesmo indivíduo. Sendo assim, para a formação de frutos é necessário que o pólen seja transferido das flores masculinas para as flores femininas, de um mesmo indivíduo ou entre indivíduos diferentes, com o auxílio de insetos polinizadores. A melancieira é, portanto, um cultivo essencialmente dependente de polinização realizada por animais para a fecundação das flores (Klein et al. 2020).

Mesmo nas variedades sem sementes (triplóides), é essencial uma polinização adequada para que haja a produção suficiente de fitormônios que estimulem o vingamento e o bom desenvolvimento do fruto. Como as variedades triplóides não produzem grãos de pólen viáveis, é necessário o plantio de variedades com sementes (diplóides) na mesma área, com a finalidade de funcionarem como doadoras de pólen. Os grãos de pólen das variedades com sementes, quando transferidos para o estigma das flores femininas das variedades triplóides, germinam e promovem a liberação dos fitormônios (Bomfim et al. 2013; Klein et al. 2020).

Por ser essencialmente dependente de polinização realizada por insetos, se toda uma plantação de melancias fosse isolada e suas flores não recebessem visitas de seus polinizadores, haveria uma redução de mais de 90% na produção. Ao visitarem as flores, os polinizadores realizam a transferência de pólen (que contém o gameta masculino) de uma flor até a parte feminina de outra – o que garante a fecundação e, logo, a formação do fruto.

Visita das abelhas

Enquanto as flores femininas disponibilizam apenas o néctar, as masculinas disponibilizam tanto o néctar quanto o pólen aos visitantes. Apesar de serem visitadas por vários insetos, como vespas, formigas, borboletas, moscas e besouros, as abelhas são os principais polinizadores da melancieira. 

As flores de melancia são polinizadas por diferentes espécies de abelhas, entre elas a abelha-africanizada (Apis mellifera) e espécies de abelhas sem ferrão, a exemplo da arapuá (Trigona spinipes), jataí (Tetragonisca angustula) e Melipona sp. (Malerbo-Souza et al. 1999; Souza & Malerbo-Souza 2005; Giannini et al. 2020). Em plantações no Tocantins, além da abelha-africanizada e da arapuá, outras três espécies de abelhas são polinizadores das flores de melancia: Halictus sp., mirim (Plebeia sp.) e olho-de-vidro (Trigona pallens) (Tschoeke et al. 2019).

A polinização realizada pelas abelhas, além de resultar em um maior número de frutos por planta, também gera frutos mais pesados e mais doces (Bomfim et al. 2013).

Os períodos de floração e colheita da melancia ocorrem durante o ano todo. As principais variedades cultivadas no Brasil são: Blackstone, Charleston Gray e Companion (Klein et al. 2020).

Ganho para os dois lados

Abelha africanizada Apis mellifera em flor de melancia Breno site
Abelha-africanizada em flor de melancia. Crédito Breno Freitas

Por ser uma abelha manejada, os produtores de melancia usam colmeias da abelha-africanizada em suas plantações na época de floração para a polinização das flores. Para se ter ideia da importância de uma polinização adequada, as flores femininas de melancia necessitam receber pelo menos 1.000 grãos de pólen viáveis para que ocorra a formação de frutos dentro do padrão exigido pelo mercado, o que geralmente é alcançado com 6 a 8 visitas de campeiras da abelha-africanizada. Nas variedades sem sementes, as flores femininas necessitam de 16 a 24 visitas, ou seja, mais do dobro do número de visitas para vingar frutos (Bomfim et al. 2013).

Para maximizar a produtividade da melancieira, os produtores utilizam de 3 a 4,5 colmeias por hectare, pois o número adequado de colônias depende de fatores como a existência de outras floradas nas proximidades que competem na atração dos polinizadores, local de instalação das colmeias e a existência de populações naturais de abelhas na vegetação nativa da propriedade (Bomfim et al. 2013).

No entanto, para obter sucesso na introdução de colmeias para polinização agrícola é preciso planejamento com base nas características das variedades cultivadas e das abelhas. Assim, com o objetivo de disponibilizar de forma acessível informações sobre a importância da polinização no incremento da produtividade da melancieira no Brasil, foi publicado, pelo pesquisador Isac Gabriel Abrahão Bomfim e colaboradores, o documento Polinização em Melancia com e sem Semente. O material também aborda sobre as melhores práticas de manejo, tanto das plantações quanto das colmeias da abelha-africanizada, para uma polinização adequada.

Vale destacar que, em um contexto de parceria, com o aluguel de colmeias pelos produtores de melancia, é essencial a existência de comunicação contínua com os apicultores para uma convivência sinérgica e produtiva, permitindo a tomada de decisões em comum acordo, incluindo a transferência das colmeias para áreas seguras ou fechamento das colmeias antes, durante e algum tempo após a pulverização nos casos em que tal manejo for necessário.

Produção e Exportação

A produção brasileira de melancias em 2020, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de quase 2,2 milhões de toneladas, com um valor de produção de mais de R$1,7 milhões. Os polinizadores contribuíram com mais de R$1,6 milhões do valor total de produção de 2020 (cálculo realizado com base na metodologia de Giannini et al. 2015), que corresponde ao montante que os produtores deixariam de ganhar sem o serviço de polinização realizado pelas abelhas.

De acordo com o IBGE, os maiores produtores foram os Estados do Rio Grande do Norte, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul e Tocantins, que somaram 57% da produção brasileira em 2020. O Rio Grande do Norte liderou com 15% da produção (337,6 mil toneladas), seguido por São Paulo com 12% (251,4 mil toneladas), Goiás com 10,5% (227 mil toneladas), Rio Grande do Sul com 10% (220 mil toneladas) e Tocantins com 9% (205,1 mil toneladas) da produção. O município de Baraúna (RN), com 125 mil toneladas, Uruana (GO), com 115,2 mil toneladas, e Lagoa da Confusão (TO), com 101,5 mil toneladas, foram os maiores produtores de melancia.

O Brasil também é um exportador de melancias. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS), com dados compilados do sistema AGROSTAT/MAPA, em 2021, o Brasil exportou quase 118 mil toneladas de melancia. Em 2021 houve um aumento de 9% nas exportações em relação a 2020, com um faturamento de mais de US$52,7 milhões.

suco de melancia

Práticas amigáveis aos polinizadores

Além do uso de colmeias da abelha-africanizada para a polinização das flores de melancia, é essencial adotar práticas de manejo para promover a atração e a permanência das abelhas silvestres e outros polinizadores nas propriedades, pois sua presença aumenta significativamente a produção e a qualidade dos frutos. Vale ressaltar que ações de melhoria na qualidade dos habitats para os polinizadores também promovem a melhoria de outros serviços ambientais, como a regulação natural de populações de pragas, a proteção dos mananciais de água e a fertilidade do solo.

As abelhas não sobrevivem apenas com os recursos disponibilizados pelos cultivos, assim é fundamental que existam na propriedade fontes alternativas de pólen e néctar no período em que as plantações de melancia não estão florescendo. A conservação e a recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RLs), conforme determina o Código Florestal Brasileiro, bem como o plantio de espécies de plantas nativas ao redor dos cultivos, fornecem alimento ao longo do ano e substratos para a construção de ninhos pelos polinizadores, incluindo os silvestres.

De acordo com Bomfim e colaboradores, em sua publicação Polinização em Melancia com e sem Semente, as colmeias devem ser introduzidas nas plantações durante o florescimento e retiradas logo após a obtenção do vingamento esperado de frutos para minimizar os riscos de contaminação com defensivos agrícolas.

Vale ressaltar que a pulverização de defensivos agrícolas deve ser evitada no período de floração, porém, se o tratamento fitossanitário for indispensável para evitar danos econômicos na plantação, cuidados especiais devem ser adotados para não atingir as abelhas, como dar preferência a técnicas agronômicas de Manejo Integrado de Pragas (MIP).

A pulverização deve ser realizada com produtos de baixa toxicidade para as abelhas, ao final da tarde ou pela noite, quando elas não estão em atividade no campo. Foi observado que as abelhas começam a visitar as flores de melancia a partir de 8h, estendendo-se até às 18h, com pico de visitação ocorrendo até às 12h (Souza e Malerbo-Souza 2005; Bomfim et al. 2013).

É essencial seguir todas as recomendações presentes nos rótulos e bulas, observando rigorosamente as boas práticas de tecnologia de aplicação dos produtos, incluindo medidas para evitar a deriva (porção do defensivo aplicado que não atinge o alvo desejado).

O apicultor, por sua vez, deve adotar as melhores práticas de manejo apícola, de acordo com a época do ano, visando a manutenção de colmeias populosas, saudáveis e adequadas para a polinização das plantações (Bomfim et al. 2013).

Texto produzido pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), em colaboração com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS).

(LOGOS)

Referências

Bomfim IGA et al. (2013) Polinização em Melancia com e sem Semente. Fortaleza, CE: Embrapa Agroindústria Tropical.

Giannini TC et al. (2015) The Dependence of Crops for Pollinators and the Economic Value of Pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108, 849-857.

Giannini TC et al. (2020) Unveiling the contribution of bee pollinators to Brazilian crops with implications for bee management. Apidologie 51, 406-421.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal (2020) Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117-producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html?=&t=sobre. Acesso em: 29 nov 2021.

Klein AM et al. (2020) A Polinização Agrícola por Insetos no Brasil. Um Guia para Fazendeiros, Agricultores, Extensionistas, Políticos e Conservacionistas. Albert-Ludwigs University Freiburg, Nature Conservation and Landscape Ecology.

Malerbo-Souza DT et al. (1999) Importância dos insetos na produção de melancia (Citrullus lanatus Thunb.) – Cucurbitaceae. Acta Scientiarum 21, 579-583.

Souza FF e Malerbo-Souza DT (2005) Entomofauna visitante e produção de frutos em melancia (Citrullus lanatus Thunb.) – Cucurbitaceae. Maringá 27, 449-454.

Tschoeke PH et al. (2019) Polinização do melão e da melancia no Tocantins. A Arte de Criar Abelhas.  Ponta Grossa, PR: Atena Editora.