Homenagem a Paulo Menezes (1946-2021), um dos grandes promotores da meliponicultura brasileira

No Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, morreu o meliponicultor Paulo Roberto de Menezes, um dos mais importantes disseminadores da criação de abelhas sem ferrão no Nordeste e grande defensor da conservação desses polinizadores.

O meliponicultor, que residia em Mossoró (RN), possuía mais de 600 colônias de abelhas nativas do Nordeste, principalmente da espécie Jandaíra (Melipona subnitida). De seu meliponário, tirava o mel que comercializava sob a marca “Mel Menezes”.

Menezes foi mais do que um criador de abelhas, foi um grande estudioso e divulgador da meliponicultura. Desenvolveu diversas técnicas que tornaram viável a produção de mel a partir da criação da jandaíras. É autor de livros e estudos sobre as abelhas.

Com apoio da Prefeitura Municipal de Mossoró e do Sebrae, transformou a criação de jandaíra numa ação social e ambiental, fazendo a inserção da abelha em regiões degradadas e em áreas de assentamentos rurais no Rio Grande do Norte e Ceará.

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Paulo Menezes no Projeto de “Olho na Água”, que ensina o manejo sustentável da abelha jandaíra para jovens cearenses. Crédito: Dirk Koedam

“Com o desmatamento, o homem destrói  a casa natural das abelhas que são as árvores de grande porte, refratárias à seca, já que possuem reservas d´água em suas raízes. As abelhas, então, ao coletar de flor em flor o néctar que transformará em mel, fazem um importante papel de reconstrução da mata nativa, pois é nesta hora que é  realizada a polinização,  processo  pelo qual é efetuada a  fecundação das flores,  dando origem a frutos e sementes”, escreveu Menezes.

Menezes foi editor associado do livro A Jandaíra no Passado, no Presente e no Futuro, que condensa o conhecimento científico existente sobre a espécie nordestina e que contou com apoio da A.B.E.L.H.A.. A obra pode ser baixada gratuitamente aqui.

Ex-servidor do Banco do Brasil, Menezes passou a se dedicar integralmente à meliponicultura após se aposentar. Ele era discípulo e herdeiro das colmeias de jandaíra do Padre Huberto Bruening, que, enquanto residiu em Mossoró, se dedicou ao estudo científico e conservação das abelhas nativas.

Paulo Menezes tinha 74 anos. Morreu em razão das complicações da covid-19.


Homenagem

Para homenagear a vida e a obra de “Seu Paulo”, como era conhecido, os biólogos Vera Imperatriz-Fonseca e Cristiano Menezes, ambos membros do Comitê Científico da A.B.E.L.H.A., escreveram dois testemunhos em que relatam as contribuições do meliponicultor e grande amante da “rainha do sertão”.

VERA IMPERATRIZ-FONSECA

Paulo Roberto Menezes, um meliponicultor exemplar

Quando o Padre Huberto Bruening chegou a Mossoró, em 1936, vindo de Santa Catarina, não imaginava que ali conheceria uma abelha social muito interessante e abundante na época. Ele relatou que “havia mais jandaíras do que nordestinos, mais casas de abelhas indígenas do que casas de aborígenes”. Não era estabelecido um manejo para essas abelhas tão interessantes e, a elas, se dedicou durante 48 anos. Anotou o que via, aplicava o conhecimento em tópicos especializados para a criação e chamava atenção de todos sobre a destruição ambiental e a necessidade de se recompor a natureza.

Como escreveu Monsenhor Bruening, se do meio ambiente fossem retirados para uso do homem as árvores onde as abelhas faziam os seus ninhos:

“Sem casa para morar, quem é que trabalha? Se ao menos cuidassem os homens de repor, de replantar, de reflorestar… Ou ainda se parassem de destruir.”

Com a linguagem regional própria, escrevia para os criadores locais, mas também falava sobre as abelhas nos sermões. Era eloquente e admirado e, assim, a meliponicultura se espalhou por Mossoró.

Discípulo
Quando retornou para Santa Catarina em 1984, após 48 anos em Mossoró, deixou duas prateleiras com 60 colmeias para o seu discípulo Paulo Menezes cuidar e ensinar a todos como tratar destas abelhas. Escolheu muito bem, porque Paulo Menezes foi um meliponicultor exemplar, que seguiu à risca os conselhos do mestre. Conforme Paulo relatou, no início cuidar das abelhas era um “espanta tédio”. Mas, com o tempo, o mel foi se tornando cada vez mais precioso e poderia ser uma boa fonte de renda, assim como a venda de ninhos dessas abelhas. As comunidades também poderiam se beneficiar com a criação das abelhas Jandaíra e outras que existiam localmente.

Paulo era muito dinâmico e inovador. Embora seguisse as diretrizes do Padre Bruening, experimentou e inovou no manejo das abelhas, disseminando essas novas técnicas. Idealizou o Projeto Padre Huberto, que apoiava as mulheres de comunidades para a criação de Jandaíra. Atuou também nos programas de capacitação do Sebrae, no Projeto de “Olho na Água”, da Fundação Brasil Cidadão, em Icapuí (Ceará) e outras propostas de associações sem fins lucrativos e com ênfase na recuperação ambiental e na melhoria da qualidade de vida das comunidades.

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Paulo Menezes no Projeto de “Olho na Água”. Crédito: Dirk Koedam

Em 2010, iniciei um período de quatro anos como pesquisadora visitante nacional sênior na Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), um programa apoiado pela CAPES. Juntamente com o Professor Lionel Gonçalves, que já tinha iniciado um programa de Apicultura na UFERSA e ali estabelecido o Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura do Rio Grande do Norte (Cetapis), implantamos o projeto de pesquisa em meliponicultura na universidade.

Contamos, desde então, com o grande apoio do Paulo Menezes, que disponibilizou o seu meliponário, recebeu visitantes de várias instituições e partilhou o conhecimento. Paulo e sua esposa, Simone, nos receberam em sua casa com muita consideração, e os laços de amizade e troca de conhecimento se fortaleceram. Essa cordialidade permaneceu com os pesquisadores que me sucederam, uma parceria muito importante.

Editamos juntos o livro A Jandaíra no Passado, no Presente e no Futuro, que conta a história da meliponicultura em Mossoró e no Rio Grande do Norte. A obra apresenta em português e acessível a todos muitos dos produtos de nossa pesquisa conjunta (o livro pode ser baixado aqui).

Paulo partiu no Dia do Meio Ambiente de 2021, justamente no início da Década da Restauração da ONU. As mensagens principais do Padre Huberto Bruening e de Paulo Menezes são válidas para essa década, reforçando a importância das abelhas para a manutenção da vida. Entre elas, destaco:

  • Recompor o meio ambiente através do plantio de recursos florais e locais de nidificação para as abelhas.
  • Aperfeiçoar as técnicas de manejo para que as abelhas possam sobreviver aos longos períodos de estiagem.
  • Manter as populações nativas em suas áreas de ocorrência.
  • Recompor as populações através de planos de manejo.
  • Trocar experiências e disseminar as boas práticas da meliponicultura.

Vamos comemorar, então, essa vitória do legado maravilhoso do Paulo Menezes com o nosso MUITO OBRIGADO!

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Crédito: Dirk Koedam

Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, bióloga e pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo


CRISTIANO MENEZES

Um pioneiro que elevou a meliponicultora nacional a um novo patamar

Conheci o trabalho do Paulo Menezes em 2009, durante uma expedição científica em Mossoró (RN). O nosso objetivo era avaliar a possibilidade de fazer melhoramento genético no plantel de jandaíras que ele manejava, que na época somava cerca de 600 colônias.

O primeiro fato que me impressionou foi o registro do histórico de cada colônia que ele manejava. Ele sabia exatamente tudo que tinha sido feito com cada uma ao longo de todos esses anos de experiência. De onde veio, quando foi dividida, quantas colheitas de mel foram feitas a cada ano, qual a produção de cada colheita, adversidades enfrentadas etc. Fiquei encantando com esse tesouro. Com seu consentimento e entusiasmo, xerocamos todas essas informações que posteriormente usamos para entender o efeito do manejo e das variações climáticas na produção de mel da jandaíra e na sobrevivência das colônias ao longo do tempo.

O estudo liderado pela Dra. Sheina Koffler, do qual Paulo Menezes é co-autor, permitiu tirar conclusões muito importantes para orientar os meliponicultores. A divisão da colônia, por exemplo, não influenciou se a colônia produziria mel ou não, mas afetou a quantidade de mel produzido no ano da divisão. Colônias divididas produziram em média 19% menos mel do que colônias não divididas. O fornecimento de xarope de açúcar aumentou a produção de mel, sendo que no ano em que foram alimentadas, as colônias produziram em média 37% mais mel que nos anos sem alimentação. A temperatura afetou negativamente a produção de mel, sendo que em anos mais quentes, menos colônias produziram mel e a produção de mel nas colônias foi menor. Além disso, em anos com menor precipitação, menos colônias produziram mel. Não seria possível fazer esse tipo de estudo se não fosse a dedicação do Paulo Menezes no registro dessas informações. Recomendamos que leiam o trabalho completo (links ao final do texto).

Mas isso era apenas o começo de muitas inovações consolidadas ao longo de sua longa jornada que influenciou meliponicultores de todo o Brasil. Seus avanços vão desde a invenção de técnicas de manejo mais eficientes, até a superação dos gargalos burocráticos para comercialização do mel. Entre tantos exemplos eu destacaria alguns deles:

  • Um alimentador que permite fornecer xarope pelo lado de fora da caixa, de forma rápida, eficiente e segura;
  • Uma carreta customizada e equipada para realizar a colheita do mel em ambiente higiênico e que pode ser facilmente deslocada para cada meliponário;
  • Um modelo de meliponário compacto e de baixo custo que permite criar grande número de colônias em um pequeno espaço;
  • Um entreposto próprio para processamento e envaze do mel de jandaíra, idealizado e produzido por ele, com Selo de Inspeção Estadual (SIE).

Seu maior mérito, na minha opinião, foi a consolidação de um sistema de produção viável e a superação dos desafios técnicos, logísticos e burocráticos. Ele conseguiu realizar o sonho de muitos de nós, meliponicultores, em um tempo em que a meliponicultura ainda era uma atividade excêntrica, recebia pouca atenção e os entraves pareciam insuperáveis. Ele conseguiu, não só atingir um grande volume de produção, mas também comercializar o mel no mercado formal. Foi a primeira vez que eu vi mel de abelhas sem ferrão sendo vendido no supermercado, acessível a qualquer cidadão.

Por tudo isso, seu legado na meliponicultura será sempre lembrado. E, por meio das pessoas que ele influenciou, suas conquistas estarão sempre presentes nos avanços que ainda estão por vir nessa atividade que tanto nos orgulha e na qual ele fez história.

Observação: Recomendo a leitura dos trabalhos que fizemos juntos, com liderança da Dra. Sheina Koffler, do qual ele é co-autor.

⦁ Efeitos do clima e do manejo sobre a produção de mel pela jandaíra: o que podemos aprender com a meliponicultura de Mossoró, Rio Grande do Norte? Sheina Koffler, Cristiano Menezes, Paulo Menezes, Astrid de M. P. Kleinert, Vera L. Imperatriz-Fonseca, Nathaniel Pope e Rodolfo Jaffé. Página 175.
Link: https://edufersa.ufersa.edu.br/abelha-jandaira/

⦁ Variação temporal na produção de mel pela abelha Jandaíra: manejo a longo prazo revela seu potencial como espécie comercial no Nordeste brasileiro. Mensagem Doce. Sheina Koffler, Cristiano Menezes, Paulo Roberto Menezes, Astrid de Matos Peixoto Kleinert, Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, Nathaniel Pope & Rodolfo Jaffé.
Link: https://www.apacame.org.br/mensagemdoce/132/artigo3.htm

Cristiano Menezes é biólogo e pesquisador da Embrapa Meio Ambiente