Maior produtor de cana-de-açúcar do mundo e o principal produtor mundial de etanol a partir da cana, o Brasil tem uma missão importante no cumprimento das medidas globais para contenção do aquecimento global. A utilização de energia elétrica a partir de fontes renováveis deverá ser ampliada, e a participação dos biocombustíveis na matriz energética do País deverá atingir 18% em 2030, passando dos 28 bilhões de litros de etanol produzidos hoje para 50 bilhões de litros –, colaborando assim para a redução de 43% nas emissões dos gases de efeito estufa até 2030 (comparação às emissões de 2005).
Neste cenário, a indústria sucroenergética desempenhará um papel ainda mais importante, considerando que, atualmente, o uso do etanol e da biomassa da cana são responsáveis por 16% da matriz energética nacional, representando 40% de toda a energia renovável ofertada internamente.
Em entrevista à A.B.E.L.H.A., a diretora presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (UNICA), Elizabeth Farina, explica as iniciativas da entidade para geração de energia a partir de fontes renováveis, além de tratar das ações para recomposição de áreas nativas e da importância dos polinizadores para manter a biodiversidade nessas áreas.
A.B.E.L.H.A. – Em linhas gerais, quais os principais números do setor sucroenergético no Brasil e no mundo?
Elizabeth Farina – Dados finais da safra 2015/2016 da região Centro-Sul do Brasil apurados pela UNICA indicam uma moagem de 617,65 milhões de toneladas de cana entre 1 de abril de 2015 e 31 de março de 2016. Este resultado foi recorde para a região e representou um crescimento de quase 8% sobre as 573,14 milhões de toneladas processadas no ciclo anterior. A produção final de etanol totalizou 28,22 bilhões de litros, quase 2 bilhões de litros acima da marca histórica – 26,23 bilhões de litros computados na safra 2014/2015. Já a produção de açúcar, em contrapartida, somou 31,22 milhões de toneladas na safra 2015/2016, com queda de 2,48% sobre as 32,01 milhões de toneladas contabilizadas em 2014/2015.
O Brasil é hoje o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. O primeiro produtor global de açúcar, com o equivalente a 20% da produção global e aproximadamente 40% das exportações. O País é também o segundo maior produtor de etanol – 25% da produção global e 37% das exportações mundiais (atrás somente dos Estados Unidos) e o primeiro em produção de etanol de cana-de-açúcar.
A.B.E.L.H.A. – Vivemos um bom momento no setor? De que forma as políticas públicas poderiam contribuir para impulsionar a produção de açúcar e de etanol no País?
Elizabeth Farina – Apesar de o setor passar nos últimos anos por uma grave crise, tivemos conquistas importantes. Entre elas: o restabelecimento parcial da Cide e o ajuste dos impostos federais aplicados sobre a gasolina, as modificações nas alíquotas de ICMS cobrado sobre combustíveis em vários estados, a aparente alteração na política de precificação dos combustíveis fósseis no mercado doméstico, o aumento no nível de mistura do etanol anidro adicionado à gasolina, a expectativa de um cenário deficitário no mercado internacional de açúcar e a desvalorização do real, que deu maior sustentação às receitas com exportação.
Mesmo que sinalizem um ambiente um pouco mais atrativo para a safra 2016/2017, essas mudanças são insuficientes para garantir a retomada dos investimentos na expansão da produção, os quais demandam a estruturação de uma agenda de longo prazo clara e objetiva, como a valorização monetária das externalidades oferecidas pelo etanol e pela bioeletricidade sucroenergética e a previsibilidade e estabilidade de políticas públicas voltadas para os biocombustíveis, em especial quanto à formação de preços.
A.B.E.L.H.A. – A redução da emissão de gases de efeito estufa é uma meta global, sobretudo em decorrência do recente Acordo de Paris. Como a UNICA trabalha para estimular a agricultura sustentável e a produção de energia limpa?
Elizabeth Farina – A produção de cana-de-açúcar no Brasil é uma das atividades mais sustentáveis do agronegócio mundial. As 120 companhias associadas à UNICA, responsáveis por mais de 50% do etanol e 60% do açúcar produzidos no Brasil, trabalham constantemente para que seus processos produtivos sejam cada vez mais sustentáveis.
A proposta brasileira para sua INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), assumida durante a COP21, foi uma das mais arrojadas: a utilização de energia elétrica a partir de fontes renováveis deverá ser ampliada e a participação dos biocombustíveis na matriz energética do País deverá atingir 18% em 2030, passando dos 28 bilhões de litros de etanol produzidos hoje para 50 bilhões de litros, colaborando assim para a redução de 43% nas emissões dos Gases de Efeito Estufa até 2030 (comparação às emissões de 2005). Neste cenário, a indústria sucroenergética desempenhará um papel ainda mais importante, considerando que, atualmente, o uso do etanol e da biomassa da cana são responsáveis por 16% da matriz energética nacional, representando 40% de toda a energia renovável ofertada internamente.
Mesmo com esta elevada representatividade, existe um imenso potencial para ampliar a contribuição da cana no combate às alterações climáticas. Hoje, o País utiliza apenas 0,5% do seu território para produzir etanol. Além disso, a palha e o bagaço da cana, subprodutos da produção canavieira, geraram energia elétrica renovável e limpa para o sistema nacional, evitando a emissão estimada de aproximadamente 10 milhões de toneladas de CO2, (Gás Carbônico) marca que só seria atingida com o cultivo de 70 milhões de espécies nativas ao longo de 20 anos.
A.B.E.L.H.A. – A cana não precisa de polinizadores para ser produzida no campo? Como se dá sua reprodução e o incremento na produtividade?
Elizabeth Farina – A cana-de-açúcar é da família das gramíneas, podendo ser reproduzida naturalmente por meio de polinizadores ou por meio de reprodução assexuada (sem polinizadores). O cultivo da cana para processamento pelas unidades industriais se dá pelo processo de germinação, ou seja, sem a utilização de polinizadores. Para esse tipo de cultivo, uma cana adulta é cortada em pequenos colmos ou toletes, nos quais se encontram a chamada “gema”, que representam um conjunto de células capazes de gerar uma nova unidade de cana. Cada um desses colmos representa uma muda que dará origem a uma nova planta geneticamente idêntica à que foi cortada. Esse método de cultivo é extremamente importante para o controle das variedades utilizadas e, consequentemente, da produtividade que se pretende alcançar, uma vez que cada variedade se comporta de uma forma conforme as condições ambientais e climáticas da área de plantio. Atualmente, EMBRAPA e CTC trabalham no desenvolvimento de novas variedades, buscando aprimorar a sua adaptação ao meio.
A.B.E.L.H.A. – Quais as principais ações da UNICA com o objetivo de recompor áreas nativas e conservar a biodiversidade nos arredores dos canaviais?
Elizabeth Farina – A UNICA, na qualidade de entidade representativa do setor, busca promover a internalização e o desenvolvimento das melhores práticas de sustentabilidade na cadeia produtiva de seus associados, especialmente no que se refere à preservação do meio ambiente. O Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, assinado em 2007 com o governo de S. Paulo, é um bom exemplo. Trata-se de um acordo voluntário pioneiro, que entre outras disposições determinou: (i) a antecipação dos prazos legais para o fim da despalha da cana por meio do uso de fogo para 2014 (nas áreas mecanizáveis, para todas as unidades industriais signatárias) e 2017 (áreas não mecanizáveis) e (ii) a recuperação de matas em nascentes e a proteção das áreas de preservação de outros cursos d’água. Atualmente, cerca de 267.822 hectares de áreas ciliares e cerca de 8.100 nascentes são objeto de recuperação pelo setor. Além disso, a UNICA oferece toda a orientação necessária para a efetiva implementação pelos seus associados da legislação ambiental vigente. O setor é considerado um exemplo para o Estado de SP em matéria de recuperação de APPs e construção de corredores verdes, tendo sido apresentado como caso de sucesso pela Secretaria do Meio Ambiente durante os eventos da COP21.
A.B.E.L.H.A. – De que forma a conservação dos polinizadores integra as ações da UNICA? Existem ações específicas?
Elizabeth Farina – Apesar de o cultivo da cana não depender da ação de polinizadores, a UNICA reconhece a importância desses agentes naturais para o meio ambiente, uma vez que a eficiência e efetividade da recuperação das APPs depende, em muitos casos, da presença desses agentes. Desta forma, a entidade trabalha constantemente na conscientização de seus associados, orientando-os sobre as melhores práticas agrícolas a serem adotadas em sua cadeia produtiva. Apenas para exemplificar, a UNICA disponibiliza para seus associados um manual técnico contendo as orientações, precauções e especificações que devem ser quando da aplicação aérea de maturadores, evitando assim a deriva desses.
A.B.E.L.H.A. – Como a UNICA avalia o trabalho da A.B.E.L.H.A. e como a parceria pode contribuir para novas iniciativas na conservação de polinizadores?
Elizabeth Farina – O trabalho desenvolvido pela A.B.E.L.H.A. representa uma iniciativa inovadora para todo o setor produtivo brasileiro, uma vez que viabiliza a identificação dos pequenos apicultores, bem como o seu contato com outras atividades, permitindo, portanto, uma ação conjunta e coordenada para o desenvolvimento e a adoção de melhores práticas de sustentabilidade pelas mais diversas cadeias produtivas. A UNICA integra a A.B.E.L.H.A. e promove a participação de seus associados nos projetos desenvolvidos por essa entidade.