Uma pesquisa publicada nesta terça-feira (9) na revista científica PeerJ, uma das mais conceituadas do setor, identificou as mais graves ameaças futuras e as oportunidades para as abelhas e demais espécies polinizadoras que fornecem serviços agrícolas e ecológicos essenciais em todo o mundo.
Com a expansão da agricultura corporativista de larga escala, o desenvolvimento de novas classes de agroquímicos e a descoberta de vírus emergentes, as abelhas e demais polinizadores estão enfrentando riscos cada vez mais desafiadores. Em resposta, os pesquisadores alertam para a necessidade de políticas globais de prevenção proativa, ao invés de mitigação reativa para assegurar o futuro dessas espécies.
O estudo, apoiado pela rede SuperB – financiada pela União Europeia –, foi conduzido por um grupo internacional de 17 cientistas, pesquisadores de órgãos governamentais e ONGs lideradas por Mark Brown, da Royal Holloway University of London. O professor Breno Magalhães Freitas, da Universidade Federal do Ceará, foi o único representante brasileiro a participar da pesquisa
PREVENÇÃO
Os cientistas usaram um método de ‘escanear o horizonte’ para identificar ameaças futuras que exigem medidas preventivas e identificar oportunidades a serem aproveitadas a fim de proteger as abelhas e demais insetos, assim como aves, mamíferos e répteis que polinizam flores silvestres e cultivos agrícolas.
“Aproximadamente 35% da produção agrícola mundial e 85% das plantas silvestres com flores dependem de polinizadores, que enfrentam as mais diversas dificuldades para sobreviver e prosperar. Estamos adotando, cada vez mais, práticas que afetam essas espécies. Então buscamos infantilmente mitigar essas perdas, ao invés de impedi-las, em primeiro lugar”, explicou o professor Brown.
“Esta é uma abordagem de trás para frente e bem cara para um problema que tem consequências muito reais para o nosso bem-estar”, disse Brown. “A maioria das pesquisas se concentra em batalhas que já estão sendo travadas, e não na guerra por vir”, concluiu.
DESAFIOS
De uma longa lista de 60 riscos e oportunidades identificadas para os polinizadores, a equipe selecionou seis questões de alta prioridade:
1) controle corporativo da agricultura em escala global;
2) sulfoximina, uma nova classe de inseticidas sistêmicos;
3) novos vírus emergentes;
4) aumento da diversidade de espécies polinizadoras manejadas;
5) efeitos de eventos extremos no âmbito das mudanças climáticas;
6) redução no uso de produtos químicos em ambientes não-agrícolas.
A pesquisa destaca a consolidação das indústrias agroalimentares como a maior ameaça para os polinizadores, com um pequeno número de empresas tendo um controle sem precedentes do solo agrícola. Isso signifca o crescimento dos negócios com terras transnacionais para a produção agrícola, como o uso de grandes áreas do Brasil e da África para exportação de soja para a China, que ocupam atualmente mais de 40 milhões de hectares.
“Esta homogeneização de práticas agrícolas implica que empresas estão usando sistemas de produção padronizados em paisagens que são muito diferentes, reduzindo significativamente a diversidade e o número de polinizadores nativos”, explicou Sarina Jepsen, diretora de espécies ameaçadas e programas aquáticos da Sociedade Xerces e coordenadora do grupo de especialistas em abelhas Bombus da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Pontos positivos
Para o professor Brown, no entanto, nem todas as perspectivas são ruins. “Essa dominação global, por exemplo, oferece uma oportunidade para influenciar a gestão da terra e torná-la favorável aos polinizadores em grandes escalas. Mas, para isso, seria necessário que a indústria agroalimentar trabalhasse em estreita colaboração com as ONGs e os pesquisadores”, ressalta.
Sobre a influência de novos inseticidas, a coautora do estudo, Lynn Dicks, do Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge, diz que “identificar as questões ambientais com antecedência, antes que assumam uma grande escala, permitiria a sociedade planejar respostas e reduzir os riscos ambientais antes que eles de fato ocorressem”.
Dicks complementa: “Isso é uma parte da rotina de planejamento estratégico na gestão financeira, e também deve ser rotina no planejamento e formulação de políticas ambientais. Muitas das questões dos polinizadores que identificamos no horizonte podem ser respondidas agora, por exemplo, trabalhando com corporações que já controlam grandes áreas de terras agrícolas para desenvolver estratégias de gestão de polinizadores, ou o planejamento de pesquisa sobre os efeitos sub-letais de sulfoxaflor antes de ser utilizado.”
Único cientista brasileiro a participar do estudo, o professor Breno Magalhães Freitas, do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará, acredita que apenas com uma ação conjunta entre governos, empresas e a sociedade será possível diminuir os impactos sobre os polinizadores.
“O estudo mostra claramente que nós temos duas opções: a primeira é deixar as coisas continuarem como estão e sempre correr atrás de medidas paleativas, que geralmente não funcionam. A outra é chamarmos governos e as grandes corporações, como as empresas da indústria agroalimentar e de agroquimicos, para assumirem suas parcelas de responsabilidade e atuarem em conjunto com os pesquisadores, ONGs e a sociedade em geral. O foco deve ser na implantação de medidas preventivas, para minimizar ou eliminar os possíveis problemas antes que aconteçam”, disse.
Para Freitas, o Brasil não pode deixar a questão de lado e precisa contribuir para o futuro dos polinizadores. “Aqui [neste estudo] nós estamos buscamos fazer a nossa parte ao apontarmos o que acreditamos serem as principais ameaças e oportunidades para as abelhas e demais polinizadores nos próximos 30 anos. Resta agora todos agirmos em conjunto. Isso é o que vai acontecer em nível mundial e o Brasil não pode ficar para trás mais uma vez ”, conclui.
O estudo está disponível em https://peerj.com/articles/2249/.