Quase duas mil abelhas de três espécies nativas da Amazônia carregam nas costas microchips de cinco miligramas e tamanho da metade de um grão de arroz. Elas são monitoradas por meio de antenas instaladas nas colmeias do meliponário científico da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém (PA). O trabalho, realizado pelo Instituto Tecnológico Vale, Embrapa, Universidade Federal do Pará e CSIRO – agência de pesquisa australiana, pretende observar se as mudanças na temperatura, na ocorrência das chuvas e na umidade do ar influenciam o comportamento das abelhas e como isso ocorre.
Os dados coletados pelo sistema dos chips são cruzados com informações meteorológicas. Com o monitoramento das atividades desses animais e a relação com informações do ambiente, a pesquisa vai saber se as mudanças climáticas comprometem o trabalho desses insetos que são importantes polinizadores da natureza e de culturas agrícolas. Até o momento 1.920 animais já carregam o sensor.
A pesquisa trabalha com três espécies da região: uruçu-cinzenta (Melipona fasciculata), uruçu-amarela (Melipona flavolineata) e uruçu-da-bunda-preta (Melipona melanoventer). Daí decorre o ineditismo do estudo, segundo Giorgio Venturieri, pesquisador da Embrapa. Ele, que é especialista em abelhas nativas e no uso delas para a agricultura, afirma que iniciativas como essa já existem para abelhas com ferrão de raças europeias em outros países, mas para abelhas nativas da Amazônia é a primeira vez.
Os animais são monitorados por 24 horas, e o chip funciona como um crachá, marcando os horários e a atividade da entrada e saída delas nas colmeias. A meta da primeira etapa desse trabalho é chipar 2.560 abelhas no meliponário da Embrapa.
Uma importante constatação já feita pela pesquisa é que o retorno das abelhas não é sempre para o mesmo ninho. No meliponário da Embrapa, o pesquisador Gustavo Pessin, do Instituto Tecnológico Vale, especialista em robótica, monitora seis colmeias da espécie uruçu-cinzenta e a primeira análise dos dados mostra que as abelhas não percebem cada caixa como uma colmeia, para elas, as seis formam uma grande colmeia. “A informação é nova para a pesquisa, pois se pensava que a filha de uma colônia X, por exemplo, sempre retornava à colônia X”, completa o pesquisador da Embrapa Giorgio Venturieri.
Rede científica
O trabalho, apresentado mundialmente nessa quarta-feira (26), na Austrália, faz parte de uma de de pesquisa coordenada pelo Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), agência de pesquisa australiana, e Instituto Tecnológico Vale (ITV). As instituições desenvolvem em conjunto, em um apiário em Santa Bárbara do Pará, na região metropolitana de Belém, e na Tasmânia, ilha localizada ao sul da Austrália, trabalho semelhante com abelhas africanizadas, conhecidas cientificamente como Apis mellifera, que têm ferrão e são mais comuns na natureza.
O ITV é uma instituição de pesquisa e ensino, criado em 2009 pela Vale e atua para criar possibilidades futuras, por meio da pesquisa científica e do desenvolvimento de tecnologias, em parceria com a comunidade científica mundial. Há duas unidades do ITV no Brasil: um em Ouro Preto (MG) e outro em Belém (PA). A unidade mineira é focada em mineração e a paraense, em desenvolvimento sustentável.
“No ano passado, iniciamos uma experiência com abelhas sem ferrão da Amazônia, mas não chegamos a uma conclusão, pois a amostra era pequena. O fato é que, ao contrário da Apis, conhecemos muito pouco sobre os hábitos dessas abelhas amazônicas. É nesse sentido que entra a expertise da Embrapa com esses animais. Essa parceria é muito importante para entender se há correlação das mudanças climáticas com a diminuição das populações dessas espécies de abelhas”, explica o físico Paulo de Souza, coordenador do estudo e professor-visitante do ITV.
Tecnologia
O chip funciona por meio da tecnologia RFID, identificação por rádio frequência. E nas colmeias é instalada uma antena ligada a um pequeno computador. A inovação tecnológica agregada ao trabalho, de acordo com Gustavo Pessin, é o tamanho do dispositivo, tão pequeno a ponto de ser carregado por uma abelha nativa (em alguns casos menor que as abelhas europeias produtoras de mel) e não comprometer a autonomia do voo. O pesquisador conta que as abelhas têm suportado bem o sensor, que pesa na faixa de cinco miligramas. “Nossa intenção é diminuir ainda mais o dispositivo para que insetos ainda menores, como as abelhas jataí, possam suportar o sistema”, completa Pessin.
As informações obtidas nos sensores são relacionadas aos dados climáticos de uma miniestação meteorológica automática instalada do meliponário. “Os dados são analisados em uma nova geração de computadores ultracompactos, que gera relatórios precisos e consistentes”, explica Venturieri. Trabalho que antes era realizado por um técnico, como relembra o pesquisador. “O observador humano permanecia de plantão na porta das colmeias anotando horários de entrada e saída. Havia imprecisão, falhas e impossibilidade do reconhecimento individual de cada abelha”, conta.
Enquanto houver luz solar, as abelhas têm a capacidade de explorar os recursos da natureza. Na região da pesquisa, elas iniciam suas atividades a partir das 5h30 da manhã, normalmente. “Porém a chuva, o calor em demasia e a umidade podem influenciar na atividade externa”, afirma Venturieri. Ele diz que já é possível perceber picos de atividades relacionadas à floração de algumas espécies botânicas, complementadas com análise em laboratório do pólen aderido ao corpo delas, e dessa maneira pode-se determinar qual a planta que ela está visitando, seja num horário típico ou atípico.
A caminho do rastreamento
O próximo passo da tecnologia é adicionar outras características ao sensor, o rastreamento do voo, por exemplo. “Hoje a gente sabe se ela saiu e se entrou na colmeia, consegue estimar tempo fora, tempo dentro de guarda na entrada, e cruzar com os dados da estação meteorológica, mas não se sabe para onde e quão longe foi. Ainda não podemos determinar o plano de voo das abelhas”, explica Gustavo Pessin. Além de rastrear o voo, a ideia é conseguir captar informações do ambiente no local, ou seja, a temperatura e a umidade do local onde a abelha está indo. Ele explica que o próximo desafio será o de instalar um novo micro-artefato na abelha para geração de energia e armazenamento de informações.
A parceria entre pesquisadores de microeletrônica e de entomólogos é novidade na Embrapa Amazônia Oriental, especialmente quando relacionada aos impactos das mudanças climáticas na agricultura. “A união de expertises em diferentes áreas está possibilitando que a gente explore novas formas de pesquisar com o uso de tecnologias já disponíveis e também a partir do aprimoramento delas”, finaliza Giorgio Venturieri.
Fonte: Embrapa