Nas últimas semanas, a imprensa brasileira veiculou notícias a respeito do descobrimento de uma nova espécie de abelha no Brasil. Trata-se do primeiro registro da espécie solitária Ceratina fioreseana, nomenclatura dedicada a homenagear a família Fiorese, proprietária da fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Goiás, onde foi encontrada.
Para entender um pouco mais sobre a nova espécie, como ela foi descoberta e o que o feito significa em termos científicos para a biodiversidade brasileira, a A.B.E.L.H.A. conversou com os pesquisadores envolvidos no estudo e com a responsável pela implantação do programa que foi ponto de partida para o monitoramento da diversidade de polinizadores no entorno da propriedade e que culminou com o registro da Ceratina fioreseana.
Claudia Quaglierini, executiva da Bayer
Favízia Freitas de Oliveira, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (IBIO-UFBA)
Heber Luiz Pereira, pesquisador responsável pelo monitoramento da diversidade de polinizadores na fazenda
RAIO X – Onde foi encontrada a Ceratina fioreseana
- Fazenda Nossa Senhora Aparecida
- Localizada em Água Fria de Goiás, a 150 km de Brasília (DF)
- 2800 hectares
- Fazenda com certificações
- Mais de 20% de área de proteção florestal, de acordo com o Código Florestal Brasileiro
- Cultivo de soja, milho e trigo, entre outros
- Representante do Brasil no programa Bayer Forward Farming, iniciativa global da empresa que promove práticas agrícolas sustentáveis em 21 propriedades rurais independentes em diversos países.
Cenário
Em que contexto a nova espécie de abelha foi descoberta?
Claudia Quaglierini – O estudo teve início ainda em 2017, com o objetivo de avaliar a presença de polinizadores no entorno das plantações da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, uma das ações no âmbito do programa Bayer Forward Farming. Com o Heber Pereira, desenhamos um projeto para avaliar o entorno das plantações e a presença de polinizadores nessa mata nativa. O monitoramento é inédito no programa mundial da empresa, foi feito pela primeira vez aqui no Brasil, e é a primeira vez que se descobre uma nova espécie em uma das propriedades do programa.
Coletas
Heber Pereira – Fizemos observações e registros em planilha e depois as abelhas foram coletadas com rede entomológica nas flores e com o uso de pan traps (tipo de armadilha para a captura de insetos). Foram feitas 4 coletas ao longo de 2 anos. Avaliamos também a presença de ninhos naturais de abelhas sem ferrão, entre elas, dos gêneros Trigona e Tetragona. Usamos uma metodologia de acesso rápido, pois a ideia era focar na riqueza e não na abundância de abelhas, e depois implantar outras metodologias de monitoramento com o menor impacto possível sobre as populações de abelhas.
Foram documentadas 72 espécies de abelhas nativas coletadas na área. O estudo também mostrou a necessidade de fazer um reflorestamento (aumentar a cobertura florestal) na área e a Fazenda abraçou a ideia e já foi realizado e constantemente são plantadas novas mudas.
A descoberta
Quais são as características conhecidas até o momento sobre a Ceratina fioreseana?
Favízia Freitas – É uma das espécies mais lindas que já vi! É uma abelha solitária de pernas amarelo-méleas (cor de mel) e um padrão de mancha facial muito característico: cinco manchas faciais de cor amarela. A genitália do macho é muito característica também. A parte morfológica está bem fundamentada para uma nova espécie, tanto do macho quanto da fêmea, que inclusive são bem parecidos.
O artigo publicado sobre a espécie nova também trouxe uma chave de identificação para outras 14 espécies já conhecidas do subgênero Ceratinula, do qual a nova espécie faz parte, totalizando 15 espécies na chave de identificação.
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A Ceratina fioreseana é aparentada das mamangavas-de-toco, do gênero Xylocopa. Compartilham vários caracteres morfológicos, além de questões comportamentais, como fazer ninho em madeira. Tem 4,90 mm de comprimento, 1,37 mm de largura da cabeça e tem uma relação importante com plantas de flores muito pequenas. |
Conscientização e conservação
Favízia Freitas – À medida que o trabalho foi sendo desenvolvido e a presença de diversas espécies foi constatada, os funcionários da fazenda foram se apaixonando pelo projeto. Compraram a ideia do jardim de plantas para elas, do hotel de abelhas. O conhecimento da biodiversidade é essencial para a mudança de comportamento. Para conservar é preciso conhecer e reconhecer a importância. As mudanças são processuais, mas pequenas mudanças chegam com o tempo a grandes mudanças. E vale lembrar que a espécie nova é apenas a primeira, é provável que ocorram outras espécies novas na área!
Heber Pereira – É importante destacar que eles apoiaram a ideia de remanejar os enxames de Apis mellifera que ocorrem na área de forma segura e montar um apiário, que periodicamente tem mel e própolis para a família e os funcionários da fazenda. Eles inclusive participaram de treinamento para lidar melhor com elas. Hoje a fazenda tem um apiário e um pequeno meliponário.
Qual a importância do conhecimento da biodiversidade para a sociedade?
Favízia Freitas – O ponto crucial da conservação é o conhecimento, e o público em geral precisa saber. Quando o artigo científico foi publicado, recebemos várias perguntas de pessoas interessadas em aprender sobre o comportamento da abelha. Há uma carência sobre comunicar o conhecimento da fauna, as pessoas têm curiosidade cada vez maior sobre ela.
É por meio do conhecimento da biodiversidade que temos a base para desenvolver produtos melhores, alimentos melhores. E a Taxonomia está em tudo que comemos e que vestimos, assim como nos cosméticos e medicamentos que utilizamos em nosso dia-a-dia.
De que forma a presença dessa nova espécie e de demais polinizadores em área agrícola pode representar um equilíbrio entre a conservação e a produção de alimentos?
Claudia Quaglierini – O agricultor da fazenda tem feito uso correto e seguro de defensivos há muitos anos e a prova disso é a biodiversidade na mata ao redor dos cultivos. São 30 anos fazendo o manejo correto. Com as boas práticas e o conhecimento sobre a biodiversidade local, a convivência harmônica é possível. Inclusive já há um novo projeto para avaliar essa relação das abelhas com os cultivos da fazenda.
Unindo recursos e esforços
Poder público e iniciativa privada devem atuar juntos para a conservação dos polinizadores?
Favízia Freitas – Tenhamos em mente: comunidades tradicionais, geração de renda, produção agrícola familiar, indústria de vários ramos (alimentícia, têxtil, cosmética, bicombustíveis), tudo isso depende da conservação ambiental para o usufruto sustentável. A produção agrícola depende da biodiversidade e o Brasil depende da produção agrícola. Portanto, conhecer a biodiversidade é essencial para gerar políticas públicas para atender demandas de vários setores. A experiência coletiva desse projeto me emociona bastante. A indústria pode e deve ajudar na manutenção dos museus, das coleções biológicas, no conhecimento sobre a biodiversidade. É essencial enxergar a importância do conhecimento taxonômico para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento sustentável. A indústria brasileira também depende desse conhecimento, o qual detém nosso maior potencial para o futuro. Novas descobertas de produtos de nossa biodiversidade dependem do conhecimento taxonômico.
