Por Clara Beatriz Hoffmann Campo, Décio Luiz Gazzoni e Guilherme Julião Zocolo
A soja é uma das plantas mais cultivadas no mundo, tem grande importância econômica e, abrange globalmente 129 milhões de hectares. No Brasil é uma das principais commodities agrícolas e, segundo informações da Conab (2023), na safra 2022/2023, foi semeada em mais de 43 milhões de hectares. Consequentemente, a cultura da soja é um hábitat vital para os polinizadores e, por mais paradoxal que possa parecer, bem adequado para o desenvolvimento de abelhas. E essa interação tinha tudo para não acontecer! A soja é uma planta autopolinizável, isto é, não é dependente de agentes polinizadores para se reproduzir, além do tamanho diminuto de suas flores que se localizam discretamente, quase escondidas abaixo do dossel de folhas.
Entretanto, vale lembrar que a interação entre a soja e as abelhas é primeiramente mediada pelos compostos químicos que as atraem para as flores; ao provarem o néctar, gostam e voltam várias vezes para coletá-lo. Assim, a fidelização das abelhas ao néctar da soja comprova a adequação desse alimento, caso contrário não se completaria o “casamento”.
Como em qualquer relação duradoura, as duas partes devem ser recompensadas. No caso da interação entre a apicultura com a lavoura de soja ocorre o aumento da produtividade por parte da planta e a obtenção do néctar para alimentação e desenvolvimento do inseto. Conforme sugerem experimentos realizados pela Embrapa Soja, o néctar produzido pela soja é adequado e balanceado para alimentar as abelhas. Nas amostras coletadas de flores de seis cultivares (duas RR e quatro Intacta), analisadas por Ressonância Nuclear Magnética, detectou-se os açúcares essenciais para o desenvolvimento das abelhas, como sacarose, glicose e frutose. Além disso, no néctar de flores de soja ocorrem alguns aminoácidos como a fenilalanina, o triptofano e o treonina. Vasculhando a literatura a respeito do assunto, verificou-se que a sacarose é essencial e que a decisão das abelhas forrageiras de coletar ou não o néctar é dependente dos açúcares, especialmente da concentração de sacarose, que foi relativamente alta na maioria das cultivares de soja analisadas.
Os mais variados aspectos relacionados à sobrevivência das abelhas no planeta têm sido amplamente discutidos. No passado, a maioria dos pesquisadores não aceitava que as abelhas tinham papel importante no incremento da produtividade da soja. Apesar de muita controvérsia, os resultados obtidos em diversas pesquisas realizadas em países produtores, os rendimentos da soja aumentaram em média 21%, superando os ganhos proporcionados pelo melhoramento genético e outras estratégias de manejo empregadas em países como Brasil, Argentina e EUA. Sendo assim, os produtores de soja podem incrementar os seus rendimentos, protegendo abelhas e polinizadores que forrageiam suas propriedades durante a floração que é um período relativamente curto no qual, historicamente, a cultura não é pressionada por pragas. É importante destacar que a produtividade adicional conferida pela polinização por abelhas representa margem líquida para o agricultor, considerando-se que o sistema de produção não é alterado, ou seja, ele pode colher até 21% a mais, porém não gastará um real a mais para obter essa produtividade extra.
Sendo o néctar da soja um bom alimento para as abelhas, devemos envidar todos os esforços para garantir a sua sobrevivência, que pode ser feita por ações simples de manejo da cultura que já fazem partes do portfólio para a manutenção da sustentabilidade. Dependendo dos cuidados dos agricultores e dos apicultores, as abelhas e a soja podem conviver e interagir positivamente. Finalmente, é importante considerar que a polinização por insetos não é apenas um serviço ecossistêmico para a manutenção da biodiversidade, mas também fundamental para a segurança alimentar dos seres humanos.
Clara Beatriz Hoffmann Campo, Décio Luiz Gazzoni e Guilherme Julião Zocolo são pesquisadores da Embrapa