Consórcio sequencia e analisa o genoma das abelhas sem ferrão Frieseomelitta varia

Por Zilá Luz Paulino Simões e Klaus Hartfelder

A Frieseomelitta varia, popularmente conhecida como “marmelada” é uma abelha social bastante comum. Pertence à tribo Meliponini, que são as abelhas sem ferrão, nativas das Américas tropical e subtropical, com alta diversidade de espécies e de importância ecológica e econômica como polinizadores, mas também com muitas espécies ameaçadas devido a alterações antrópicas dos seus habitats.

Os resultados do sequenciamento, montagem e anotação do genoma nuclear e mitocondrial da Frieseomelitta varia foram publicados no início de junho na revista BMC Genomics, uma das revistas mais conceituadas da área de genômica. O projeto foi realizado por um consórcio composto de 31 pesquisadores, professores, pós-doutorandos, pós-graduandos e até alunos de Graduação de 6 instituições públicas, sendo a USP, UNESP e UFSCar de São Paulo, duas universidades federais de Minas Gerais (UFAL e UFVJM) e a UTFPR de Cornélio Procópio em Paraná. O projeto recebeu financiamento do CNPq (processo 454103/2014–0)  e da FAPESP (processo 2015/06657–0).

A Frieseomelitta varia é a segunda espécie sequenciada dos mais de 400 Meliponini. A primeira espécie foi a Melipona quadrifasciata, a mandaçaia, que ficou incluída em um projeto de sequenciamento e análise comparativa de 10 genomas de abelhas, publicado em 2015 na revista Science. Já nesse projeto, que foi coordenado por pesquisadores da Universidade de Illinois, vários membros do consórcio atual tiveram participação, e essa experiência foi o estímulo para montar um consórcio que aplicou as competências ganhas nesses projetos internacionais de genomas de abelhas. A Frieseomelitta varia foi escolhida por ser uma espécie emblemática, uma vez que suas operárias são completamente estéreis, diferente da grande maioria dos Meliponini.

Os principais achados do projeto foram a grande quantidade de elementos genômicos repetitivos e de RNAs não-codificadores que, por um lado complicam as tarefas de montagem de genomas e anotação de genes, mas por outra podem oferecer janelas de oportunidades evolutivas para plasticidade na regulação genômica. Um segundo achado também interessante foi um alto grau de conservação (sintenia) de um bloco de genes originalmente descrito na abelha melífera, Apis mellifera, relacionado ao comportamento social de estocagem de pólen. O fato desse bloco de genes aparecer como estruturalmente conservado em dois grupos de abelhas que se separaram em torno de 80 milhões de anos atrás, indica um alto grau de ancestralidade da base genômica que configura esse comportamento. Um terceiro achado importante foi a diferença na organização da ordem gênica no genoma mitocondrial em comparação com outras abelhas, fato que já tem sido notado em outros Meliponini e, pouco a pouco, aponta para o genoma mitocondrial dessas abelhas como um “hotspot” evolutivo.

O consórcio que gerou essas informações genômicas para a abelha marmelada considera esse projeto como um piloto e, com essa experiência e competência ganha, planeja agora ampliar as informações genômicas para esse grupo de abelhas sociais importantes, nativas do Brasil. Assim, já escolheu um conjunto de cinco espécies alvos, todas selecionados com base de critérios de representatividade da diversidade biológica e na relevância para a meliponicultura, assim criando informação genômica não só para fins científicos, que permitem compreender melhor as bases genéticas e genômocas da organização social dos Meliponini, mas também contribuirão com eventuais projetos de melhoramento.

O artigo The nuclear and mitochondrial genomes of Frieseomelitta varia – a highly eusocial stingless bee (Meliponini) with a permanently sterile worker caste está disponível em https://bmcgenomics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12864-020-06784-8.

Zilá Luz Paulino Simões – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP)

Klaus Hartfelder – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP)

 

Crédito da imagem em destaque – Cristiano Menezes