Por Vera Lucia Imperatriz-Fonseca e Marilda Cortopassi-Laurino
Comemoramos o centenário do nascimento de pessoas muito especiais, que deixaram um legado e um exemplo, como Paulo Nogueira-Neto (18/04/1922 – 25/02/2019). Ele trabalhou incessantemente para um mundo melhor. Iniciou sua vida científica criando abelhas sem ferrão, sendo considerado um grande incentivador da meliponicultura no Brasil.
Nascido em São Paulo, o jovem advogado, interessado na criação de abelhas, ganhou de seu sogro uma colônia de abelhas jataí, em 1944. Buscou informações na literatura, e no então famoso Dicionário dos Animais do Brasil, de Von Ihering, e observou que esses insetos precisavam ser mais estudados. Prosseguiu com suas investigações e, em 1953, publicou seu primeiro livro, “A criação das abelhas indígenas sem ferrão”, onde havia uma atenção especial às plantas importantes para as abelhas, que poderiam estar nos arredores dos meliponários. Ele chamava de arboreto esses locais onde fileiras de mudas selecionadas nas suas observações eram plantadas, e que produziam flores para as abelhas o ano todo. Um cuidado especial nas suas observações era no plantio de árvores que produzem ocos, ocupados para nidificação de abelhas e outros animais, como as aves e pequenos mamíferos. Durante toda a vida, sempre voltado às abelhas, estudou, orientou, e disponibilizou seus meliponários para as visitas técnicas e a pesquisa científica. E plantou árvores e bosques para abelhas e para as aves (polinizadores e dispersores de sementes).
Foi um grande homem, de hábitos simples, muito respeitoso no tratar as pessoas com quem conviveu, um ouvinte atento e negociador hábil nas questões ambientais. Sua formação familiar e a acadêmica foram ferramentas importantes para suas atividades conservacionistas, pois sempre pensava nas gerações futuras e nos aspectos legais das atividades humanas e ambientais. Entre suas inúmeras qualidades pessoais, destaco a generosidade ao ensinar, ao partilhar o conhecimento, a habilidade incrível para encontrar as soluções simples para problemas complexos. Era um católico praticante, e defendia as ligações entre Ciência e religião.
Perfil acadêmico e ambientalista de Paulo Nogueira-Neto
Paulo Nogueira- Neto foi Bacharel em Direito em 1945, e depois em História Natural, em 1959, ambos na Universidade de São. Paulo (USP). A integração das duas áreas de formação acadêmica foi muito importante para as suas atividades ambientais e as conservacionistas em especial, e assim fundou em 1957 a ADEFLOFA (Associação de Defesa da Flora e da Fauna), que posteriormente passou a se chamar ADEMASP (Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo).
Tornou-se docente do Departamento de Zoologia da USP em 1963. Lá iniciou as atividades didáticas e de orientação que formaram o Laboratório de Abelhas, em 1967. Incentivou a criação do Departamento de Ecologia no Instituto de Biociências, onde aposentou-se como Professor Titular. Foi agraciado com o título de Professor Emérito do Instituto de Biociências da USP, e Professor Honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Participou das atividades ambientais através das Organizações não Governamentais com sede no exterior como a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e WWF (Fundo mundial para a vida selvagem), foi membro do Conselho do World Resources Institute, do Conselho Assessor do PPG7, etc.. No Brasil, participou da fundação da WWF-Brasil (onde foi Vice-Presidente), da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), da SOS Mata Atlântica (onde também atuou como vice-presidente), da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE). Foi Presidente do Conselho Federal de Biologia (trabalhou muito para a regulamentação da profissão de biólogo), da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, entre muitas outras Comissões nacionais e representações ligadas à área ambiental.
Ambientalista ativo, foi convidado a estruturar a Secretaria Especial do Meio Ambiente, do governo federal, que entrou em funcionamento em 1974:
“Toda organização da rede de ação ambiental existente na Federação Brasileira começou como resultado da Conferência de Estocolmo [em 1972], da qual não participei…No seu retorno ao Brasil, vindo de Estocolmo, o Henrique [Brandão Cavalcanti] conseguiu obter do governo um decreto criando a Secretaria Especial do Meio Ambiente. Em fins de 1973, ele me convidou para ir a Brasília e me deu para ler o Decreto recém-publicado, criando a nova Secretaria. Pediu minha opinião. Eu a dei com muita franqueza. O Decreto era insuficiente, mas servia bem para um início. Então eu não sabia disso, mas do Decreto foi o projeto que o Henrique apresentou ao Ministro Leitão de Abreu da Casa Civil, com uma redação que pudesse ser aprovada, naquela época ainda difícil para o Meio Ambiente. Com grande surpresa para mim, quando acabei de falar, o Henrique me perguntou:–“Mas você aceitaria ser o Secretário do Meio Ambiente?” Entrevi imediatamente a fascinante possibilidade de fazer algo novo e muito positivo. Era um imenso e maravilhoso desafio, desses que a gente só recebe uma vez na vida…”
Paulo Nogueira- Neto, em “Uma trajetória ambientalista, diário de Paulo Nogueira Neto, 2010
Nogueira-Neto foi o Secretário Especial do Meio Ambiente do Ministério do Interior, durante 12 anos, de 1974 a 1986. Essa Secretaria antecedeu a criação do Ministério do Meio Ambiente. Através de um trabalho criterioso, foi responsável pela conservação de muitas áreas naturais no Brasil, tendo sido o criador das Estações Ecológicas (3,2 milhões de hectares no Brasil), das áreas de proteção ambiental (as APAS), das áreas de relevante interesse ecológico (as ARIES), todas elas com legislação própria. Foram estabelecidos no Brasil os órgãos de monitoramento e controle da poluição, com as respectivas legislações de apoio. Atuou com seus pares ambientalistas para o estabelecimento do tema ambiental na Constituição de 1988, num propósito de valorização do meio ambiente nas ações políticas e mesmo na conscientização popular. Incansável, muito respeitado pelo trabalho realizado, sempre com seriedade e competência, foi um grande articulador político em prol da causa ambiental.
Internacionalmente, atuou no programa MAB (Homem e Biosfera) da UNESCO como vice-presidente durante dois mandatos. Também representou a América Latina (com Margarita Marino de Botero, da Colômbia) como membro da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), com 23 membros, e presidida pela Ministra Gro Brundtland. Os resultados do trabalho dessa comissão (1983-1986) foram publicados em 1987 no importante Relatório Brundtland (e no livro Nosso Futuro Comum) com propostas globais da adoção do desenvolvimento sustentável como paradigma. Como desdobramentos desse documento tivemos no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco 92, ou Cúpula da Terra. Nessa ocasião, foram criadas a Convenção do Clima, a Convenção da Diversidade Biológica, a Convenção das Áreas Úmidas, a Agenda XXI (a qual ressaltou a importância de cada país se comprometer sobre as soluções locais dos problemas ambientais, através dos vários setores da sociedade). Estava estabelecida uma agenda global para o ambiente, que se cristalizou como diretriz.
O Professor Paulo Nogueira-Neto recebeu prêmios destacados no país e no exterior, mas sempre lembrava o título que mais o honrava – o de professor.
Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, Profa. Titular Sênior do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê Científico da A.B.E.L.H.A., e Marilda Cortopassi-Laurino, membro da diretoria da Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo.