Ácido, decapitação kamikaze e resina grudenta: as defesas das abelhas sem ferrão

Por Cristiano Menezes, biólogo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e membro do Conselho Científico da A.B.E.L.H.A. 

Ao contrário do que prega o senso comum, a vida das abelhas não é só trabalho. Elas de fato labutam a vida inteira para que não falte mel na despensa e a colônia se mantenha funcionando. Mas há também muita violência: invasão de reinos inimigos, batalhas épicas, pilhagens e cabeças rolando. Ao melhor estilo Game Of Thrones.

Para as abelhas da tribo Meliponini, conhecidas como abelhas sem ferrão – porque elas de fato não têm ferrão –, a defesa do ninho é tão importante quanto a capacidade de localizar, na natureza, os ingredientes para produzir mel.

Ao longo de sua evolução, essas abelhas sociais – são mais de 250 espécies só no Brasil – perderam a capacidade de ferroar, mas não de defender seu reino. As abelhas sem ferrão estocam verdadeiros tesouros em seus ninhos: o mel, o pólen e o alimento das suas larvas. E outros insetos estão de olho nessa riqueza.

Põe olho nisso: há até abelhas piratas nessa história. A iratim ou abelha-limão (Lestrimelitta limao) abandonou completamente o hábito de coletar alimento nas flores e se especializou em fazer pilhagens avassaladoras em ninhos de outras abelhas sem ferrão. Verdadeiras hordas de larápias tentam invadir os ninhos, roubar os recursos e armazená-los em suas próprias colônias.

As invasões podem ser motivadas também por guerras entre reinos, em que frequentemente uma colônia maior se apodera das vizinhas mais fracas. Se a invasão for bem-sucedida, a soberana adversária e sua corte de princesas podem ser executadas – e as operárias expulsas. A rainha vencedora envia uma princesa ao ninho conquistado para fundar um novo reino.

Diante de ameaças desse porte, as portas dos ninhos, que ficam bem escondidas em ocos de árvores ou muros, permanecem sempre protegidas por guardas – geralmente abelhas mais velhas, já que essa função de reconhecimento de inimigos exige experiência e força.

Dependendo do tamanho da confusão, as guardiãs podem recrutar todo um exército por meio de sinais químicos liberados no ar. Esse ataque massivo consegue afastar até mesmo grandes vertebrados.

A arapuá (Trigona spinipes) usa suas fortes e afiadas mandíbulas para morder o inimigo. E elas sabem muito bem onde morder: as partes mais sensíveis, como olhos, narinas e ouvidos. Quando se defendem de humanos, o método preferido é se enrolar nos cabelos.

O arsenal de algumas espécies inclui resinas pegajosas para imobilizar os invasores. As abelhas Plebeia droryana, conhecidas como abelhas mirim, depositam seu grude no invasor até que ele não consiga mais mexer uma patinha sequer – muitos dos imobilizados ficam presos até a morte.

As jataís (Tetragonisca angustula), uma espécie bem comum em áreas urbanas, mantêm uma esquadrilha de guardas sobrevoando a entrada do ninho. É isso que você vê na foto que abre o post. Há mais uma foto abaixo:

Quando atacadas, adotam uma tática kamikaze: mordem o inimigo e se matam desprendendo as próprias cabeças, que ficam grudadas nos invasores. A cena é grotesca: o inseto adversário rasteja com dificuldade, com duas ou três cabeças de jataís coladas ao corpo.

Mas deixamos o melhor para o final. O método de defesa mais bizarro é o da abelha caga-fogo (Oxytrigona tataira). Como o nome sugere, ela expele uma substância cáustica no invasor, que provoca queimaduras sérias.

Ou seja: da próxima vez que uma abelha sem ferrão pousar na sua xícara de café, lembre-se que você pode estar diante de uma verdadeira guerreira. Com um arsenal de dar medo.


 

Crédito da imagem em destaque: Cristiano Menezes

Texto originalmente publicado em 15/1/2021 no Blog Bzzzzzz, parceria da Revista Superinteressante com a A.B.E.L.H.A.. Confira em: https://super.abril.com.br/coluna/bzzzzzz/acido-decapitacao-kamikaze-e-resina-grudenta-as-defesas-das-abelhas-sem-ferrao/.