Por Guaraci Duran Cordeiro
O delicado equilíbrio da natureza está sob ameaça à medida que o aquecimento global se intensifica, desafiando a essência da relação entre plantas e polinizadores, que enfrenta, no presente e no futuro, desafios imprevisíveis.
O perfume das flores, um convite irresistível para os polinizadores, desempenha um papel crucial nessa comunicação silenciosa. Os sensores de odores localizados nas antenas dos insetos decifram as nuances das moléculas odoríferas, proporcionando uma busca precisa pela fonte do perfume. Esse é um complexo código de informações que as plantas enviam aos seus polinizadores, revelando até mesmo a qualidade do pólen e do néctar.
Entretanto, diante do aquecimento global, surgem as incógnitas: como responderão as plantas e seus perfumes florais às temperaturas elevadas? E quais serão as consequências para as interações entre plantas e insetos polinizadores? E o quanto elas podem afetar a produção de alimentos dependentes do serviço de polinização? Embora tenhamos dados sobre resistência à seca e curvas de crescimento, o mistério persiste quanto ao futuro olfativo das flores.
Uma pesquisa científica que rendeu dois artigos recém-publicados traz um pouco de luz para responder essas questões. As pesquisas foram realizadas sob supervisão do Professor Stefan Dötterl para o meu pós-doutorado em Ecologia Química na University of Salzburg (Áustria).
Assim, foi possível reconstruir sinteticamente os aromas das flores para os cenários sem e com aquecimento global. Essas misturas foram testadas nas antenas das abelhas, usando eletrodos para medir reações fisiológicas.
As antenas dos insetos demonstram uma resposta mais vigorosa aos componentes essenciais dos aromas florais, levantando a hipótese de que, quanto menos complexa for a composição de um perfume floral e quanto mais sensível for a reação dos seus componentes fundamentais ao calor, menor será a probabilidade de sucesso na polinização em cenários de aquecimento global.
Cada cultura agrícola respondeu de forma diferente ao aumento da temperatura. Os resultados revelaram que o perfume das flores da canola permaneceu inalterado no cenário de aumento de temperatura, indicando sua notável tolerância ao calor e capacidade de manter sua atratividade para os polinizadores.
No entanto, o trigo-sarraceno teve uma redução significativa na intensidade do perfume floral, afetando a percepção olfativa das abelhas. Já o morango, a cultura mais afetada, deixou de produzir qualquer aroma floral detectável, comprometendo seu encontro com polinizadores. É evidente que os estímulos visuais também são importantes para a interação entre polinizadores e flores, mas por si só esse aspecto muitas vezes não é suficiente para atrair os insetos.
É preocupante que algumas plantas reduzam a quantidade de perfume liberada em temperaturas elevadas e outras deixem de produzir totalmente este atrativo. Dado o papel vital do perfume floral na atração de polinizadores, uma vasta área de pesquisa se abre para compreender como os compostos voláteis das flores mudam nas alterações climáticas e o impacto disso na produção de alimentos.
Com muitas culturas agrícolas dependentes da polinização, especialmente por abelhas, a perturbação na interação flor-polinizador pode impactar significativamente o rendimento destas culturas. Este estudo traz um alerta acerca da vulnerabilidade da interação olfativa entre plantas e polinizadores sob condições de mudanças climáticas, uma vez que os insetos podem não conseguir perceber e encontrar as flores como antes, o que afetará negativamente a saúde de nossos ecossistemas.
Dois artigos científicos foram publicados com estes resultados em 2023 e estão abaixo:
- Cordeiro, G. D., & Dötterl, S. (2023). Global warming impairs the olfactory floral signaling in strawberry. BMC Plant Biology, 23(1), 549. https://doi.org/10.1186/s12870-023-04564-6
- Cordeiro, G. D., & Dötterl, S. (2023). Floral scents in bee-pollinated buckwheat and oilseed rape under a global warming scenario. Insects, 14(3), 242. https://doi.org/10.3390/insects14030242
Guaraci Duran Cordeiro é zootecnista, mestre e doutor em Entomologia, com estudos em biologia de nidificação de abelhas e polinização de culturas agrícolas. O texto acima foi escrito a convite A.B.E.L.H.A. e publicado originalmente em 19/1/2024 na Revista Globo Rural.