O Brasil registrou, em 2021, um recorde na produção de mel. De acordo com dados da Pesquisa Pecuária Municipal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram 55,8 mil toneladas, aumento de 6,4% na comparação com 2020.
O valor de produção chegou a R$ 854,4 milhões, um aumento de 34,8% sobre 2020. O preço médio do alimento foi de R$ 12,07, para R$ 15,30/kg. “Esse é um mercado com demanda e espaço de crescimento. Há um potencial produtivo a ser explorado, e isso vem acontecendo, com alta do dólar e o aumento no preço”, explica Mariana Oliveira, analista da pesquisa do IBGE.
O Rio Grande do Sul é o maior Estado produtor, responsável por 9,2 mil toneladas, seguido pelo Paraná (8,4 mil) e o Piauí (6,9 mil). No total, 3.991 municípios registraram alguma produção de mel em 2021. A liderança é de Arapoti (PR), com 925,6 toneladas.
Consumo e exportação
O pesquisador Décio Gazzoni, da Embrapa Soja, observa que a apicultura existe há milênios e “remonta há quatro ou cinco mil anos, quando as pessoas deixaram de simplesmente colher o mel e começaram a criar as abelhas”. O especialista aponta que a atividade se desenvolveu, principalmente, na Europa, onde o consumo do mel era – e ainda é – amplo.
No Brasil colonial, com a expansão da cana-de-açúcar, o uso do mel como adoçante não era tão comum, explica Daniel Cavalcante, doutor em Tecnologia de Alimentos. Assim, diferentemente do que ocorreu nos países europeus – e mesmo nos Estados Unidos -, o produto não foi adotado como parte da cultura nacional.
Para Cavalcante, isso explica o baixo consumo per capita do produto no país. Segundo os cálculos da empresa Baldoni, foram 27 gramas em 2020. O número foi obtido com base nos dados de produção e exportação do produto, disponibilizados pelo IBGE e pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).
“O mel no Brasil ainda é utilizado muitas vezes como medicamento e não como um alimento. Apesar de todas as propriedades que ele oferece como substituto ao açúcar, muitas pessoas usam o mel apenas em períodos de temperatura mais frias, para combater a tosse, por exemplo”, explica Cavalcante.
A exportação do produto também cresceu com a maior oferta. Em 2020, 45 mil toneladas de mel foram enviadas para o exterior. Na comparação com 2016, as exportações quase dobraram, pois, naquele ano, o Siscomex registrou o embarque de 24 mil toneladas.
Cavalcante indica que o mel brasileiro é bem aceito pelo mercado internacional e, portanto, o setor possui um grande potencial de crescimento, tanto enquanto atividade principal, quanto secundária, alinhada à agricultura pela polinização, por exemplo. Mas falta organização.
Atlas da Apicultura
Foi ao verificar a necessidade de ordenamento da atividade, que o pesquisador Décio Gazzoni idealizou o Atlas da Apicultura no Brasil: “O setor ainda não é muito organizado, se a gente comparar com grandes cadeias, como a soja, o milho e o algodão. Ele está longe da organização, então, a apicultura hoje ainda é a segunda ou, eventualmente, a terceira fonte de renda – com exceção aos grandes apicultores profissionais. Nós sentimos a falta da organização da cadeia e dos profissionais com mão de obra qualificada”, afirma.
Desenvolvido pela Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), o Atlas tem como objetivo oferecer uma visão geral sobre a apicultura no território nacional. Para isso, concentra informações do IBGE, do Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior (Comex Stat) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). De acesso livre e gratuito, nele é possível verificar a produção e o valor de venda do mel nos estados, o número de estabelecimentos com atividade apícola e as áreas com vegetação de interesse para a prática.
“A partir do Atlas, os produtores podem entender a dimensão e a capilarização do negócio nos estados e municípios brasileiros. Isso transmite a ideia de existem mais pessoas e possíveis parceiros para uma organização formal (associações, sindicatos ou cooperativas)”, justifica o pesquisador. Gazzoni defende que a organização do setor – como já ocorre em outros países – é um importante passo para mais oportunidades surgirem nos mercados interno e externo, além de maior interesse de profissionais qualificados para trabalhar no setor.
Benefícios da polinização
A relação harmônica entre insetos polinizadores e agricultura favorece o equilíbrio do ecossistema e a produtividade dos cultivos. A florada da soja, por exemplo, pode servir como pasto apícola para os criadores de abelhas, especialmente de Apis mellifera, em períodos de pouca disponibilidade de alimento. “Além disso, podemos afirmar que, sob condições adequadas de visitação, a produtividade de soja pode ser incrementada em cerca de 13% pelo processo de polinização propiciado pela visitação das abelhas”, salienta Gazzoni.
Muito explorada nos Estados Unidos, a atividade polinização já existe, mas ainda é baixa no Brasil. O especialista da Embrapa pontua que a região Sul protagoniza os investimentos nessa estratégia, sobretudo, junto às culturas rosáceas (maçãs, pêras, ameixas, etc.). Porém, destaca que o seu uso pode gerar ainda mais ganhos com as grandes plantações.
“Cada vez mais, as lavouras de soja estão chegando perto dos apiários fixos por conta da expansão do território – nós já estamos semeando em mais de 40 milhões de hectares – e, cada vez mais, os apiários estão migrando para as bordas das lavouras de soja. Isso justamente pela percepção dos dois lados de que se tem, ao mesmo tempo, oportunidade de se produzir mais mel e soja a partir desse contato”, explica Gazzoni.
O pesquisador indica que essa relação mutualística (isso é, de ganho pelos dois lados) ainda está “engatinhando” e, aos poucos, os produtores vêm aprendendo como integrar esses setores, o que também pode gerar benefícios sociais e ao meio ambiente.
Ele exemplifica: “Hipoteticamente, se nós aumentarmos em 10% ou 15% a produtividade de soja por colocar abelhas nas proximidades da lavoura – o que os estudos da Embrapa indicam que é possível -, também estaremos deixando de desmatar 10% ou 15% da área, porque eu vou produzir a mesma coisa com menos espaço”.
Daniel Cavalcante concorda. Ele afirma que a apicultura é “uma das únicas atividades da agropecuária brasileira que permite a coexistência, de forma harmônica e interativa, dos três pilares essenciais da sustentabilidade”.
Do ponto de vista econômico, é capaz de produzir, distribuir e oferecer produtos ao mercado. No social, proporciona um ambiente que estimula a criação de trabalhos e favorece o desenvolvimento pessoal (com a consequente redução do êxodo rural). E, por fim, ambientalmente, auxilia na redução do desmatamento e estimula a preservação dos ecossistemas, da fauna e da flora.
Fonte: Revista Globo Rural – Arthur Almeida