Crédito da imagem em destaque: Lucas Borges
Pesquisa científica reuniu dados para orientar o uso de abelhas-sem-ferrão para a polinização de hortaliças em ambientes protegidos. O trabalho abordou dois desafios em cultivos protegidos: a aclimatação dos insetos às condições das estufas brasileiras e a oferta insuficiente de colônias para atender à demanda. A pesquisa foi realizada pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), em parceria com a Embrapa Meio Ambiente (SP), a Universidade de Brasília (UnB) e a Fazenda Malunga (DF).
O trabalho está no âmbito do projeto “Aclimatação, seleção, e desenvolvimento de método de produção de ninhos de abelhas-sem-ferrão para polinização de culturas em ambientes protegidos”, liderado pela pesquisadora Carmen Pires e que selecionou três espécies de abelhas-sem-ferrão para os experimentos: a moça branca (Frieseomelitta varia), mandaguari (Scaptotrigona cf. postica) e a mandaçaia (Melipona quadrifasciata).
Foram avaliados os comportamentos de cada espécie em relação a diferentes condições de luminosidade e temperatura. As abelhas selecionadas têm tamanhos diferentes, distribuição geográfica ampla e os meliponicultores possuem um certo domínio com o manejo delas, o que facilita obter colônias certificadas e, ao mesmo tempo, trocar conhecimento sobre esses insetos.
Ambientes confortáveis e preferências alimentares
A pesquisa foi realizada durante quatro anos em condições controladas (arenas para bioensaios) e em plantios comerciais em casas de vegetação da Fazenda Malunga, empresa de produção orgânica de hortaliças localizada no Distrito Federal. A pesquisadora informa que o desafio foi entender as peculiaridades de cada espécie, cada uma com hábitos, tipos de voo e preferências alimentares próprias. Segundo Pires, elas precisam inicialmente se aclimatar ao ambiente da casa de vegetação e, só então, irão visitar e polinizar as flores da cultura-alvo.
Nas casas de vegetação, por exemplo, a aclimatação depende dos materiais de cobertura desses locais, que em geral são feitas com filmes plásticos que filtram, em alguns casos, mais de 90% dos raios ultravioletas (UV). Essa técnica é utilizada para desorientar insetos-pragas. No entanto, as abelhas-sem-ferrão também orientam o seu deslocamento por meio dos raios UV. Pires ressalta que a maioria das casas de vegetação no Brasil não utiliza materiais ideais para as abelhas-sem-ferrão. A equipe constatou que filmes plásticos que filtram cerca de 40% da luz UV proporcionam voos orientados, permitindo que os insetos polinizem as flores e voltem aos ninhos.
Outro fator limitante foi a falta de controle de temperatura da maior parte dos ambientes cobertos, que acabam ficando quente demais para os insetos. A fim de amenizar o problema, é necessário aumentar o tamanho da casa de vegetação. “Nós trabalhamos com casas com cerca de sete metros de altura no centro e, assim, conseguimos uma temperatura em que a abelha se aclimata, consegue achar a fonte de recurso e voltar para o ninho. Quando um ninho é colocado dentro de um ambiente fechado, se a temperatura estiver elevada, os insetos sofrem muito e é possível até perder o ninho”, explica Pires.
Com alimentação, temperatura e luminosidade ao gosto das abelhas, os pesquisadores encontraram evidências sobre as preferências de cada espécie por cultura. Para polinizar cem pés de tomate italiano, por exemplo, é necessária uma caixa da abelha-sem-ferrão mandaçaia. Como os produtores costumam cultivar mais de uma variedade, a pesquisadora comparou as visitações e a preferência das abelhas com diferentes tomateiros. Entre o tomate italiano e o cereja, as mandaçaias preferiram o primeiro.
Nos bioensaios em arenas, os resultados mostraram que a espécie mandaçaia obteve uma melhor aclimatação e maior busca por recursos a uma temperatura amena de cerca de 23 ºC. A resposta da abelha moça branca foi positiva quando em situação de maior luminosidade, tendo mais atividade, especialmente, a uma temperatura média de 29 ºC. Segundo Pires, esse estudo aponta o aumento da temperatura como fator limitante para a mandaçaia. No caso da moça branca, além da temperatura, a redução da luz UV pode influenciar na atividade de forrageamento (alimentação). Já as abelhas mandaguari não se acostumaram ao ambiente oferecido nas arenas de bioensaio: a espécie não fez visitas às fontes de recursos e, em alguns dias, a pesquisadora observou que a entrada do ninho foi totalmente fechada. Isso significa um comportamento típico de estresse dessas abelhas.
Flores preferidas de duas espécies
Em casas de vegetação de tamanho comercial, na Fazenda Malunga, a capacidade de aclimatação e do comportamento de voo e de forrageamento (busca e exploração de recursos alimentares) de dois ninhos de cada uma das três espécies estudadas apontaram bons resultados. Em duas casas de vegetação da Malunga com cultivos orgânicos de hortaliças, todas as três espécies não apresentaram voos desorientados (voos em direção ao teto e laterais das casas) – o que significa que a luminosidade e altura dos espaços estavam de acordo com o que elas precisam.
Por outro lado, a abelha mandaçaia foi a única a visitar e a coletar pólen nas flores do tomateiro, costumeiramente nos períodos do começo da manhã e final da tarde, quando as temperaturas estavam mais amenas. As flores da cultura de pepinos foram as preferidas da mandaguari, enquanto a moça branca não visitou as flores do tomateiro.
Aumento de 20% nos tomateiros orgânicos da Malunga
Após os resultados dos experimentos, o empresário Joe Valle, proprietário da Fazenda Malunga, decidiu adotar o uso das abelhas-sem-ferrão na polinização dos tomateiros orgânicos cultivados em estufas. As abelhas podem evitar, inclusive, o alastramento de fungos nas folhas das plantas. O tomateiro, Lycopersicon esculentum Mill (Solanaceae) é uma espécie polinizada a partir da vibração das suas flores. Por isso, Valle utiliza soprador, técnica para fazer as flores dos tomateiros vibrarem. A técnica, por outro lado, ajuda a espalhar fungos pelos pés de tomates.
A abelha mandaçaia, contudo, apresenta um comportamento chamado de polinização vibratória (buzz pollination). Isso significa que essas espécies, da mesma forma que o soprador, fazem as flores dos tomateiros vibrarem enquanto coletam o pólen; todavia, ao contrário da máquina, não espalham os fungos. Esse foi um dos motivos de o empresário resolver adotar a partir de agora as abelhas em cultivos de tomateiros orgânicos.
Na Fazenda Malunga, os resultados das avaliações da polinização assistida pela abelha mandaçaia, em tomateiros das variedades italiano e cereja, mostraram que, para maior parte dos parâmetros de qualidade dos frutos avaliados, houve um incremento de produção nos grupos em que foram usadas as mandaçaias. “Todos os dados foram coletados com acurácia. A polinização das abelhas resultou em um aumento de 20% na produtividade no tomate italiano”, comemora Valle. O empresário enfatiza que o uso das abelhas-sem-ferrão em casas de vegetação, além de ajudar na produção e produtividade, possibilita um mercado aos meliponicultores. “Outras pessoas poderão ter seus negócios alugando as abelhas”, sugere Joe Valle.
Fonte: Embrapa – Deva Heberlê