Quantas abelhas foram necessárias para o seu café da manhã de hoje? E para a sobremesa do fim de semana ou até para o jantar de ontem à noite? Em cada prato de refeição, a presença de certos alimentos traduz o potencial bem sucedido de uma ação típica desses insetos: a polinização.
As abelhas são responsáveis por 70% nesse ato que permite a formação de frutos e sementes. Não por menos, produtores e criadores têm se articulado em busca da retomada do contato desses animais com as culturas agrícolas. A presença das abelhas é capaz de modificar drasticamente tais ambientes. Frutos que não entraram em contato com elas podem ficar menores, menos doces, mais suscetíveis à deformidades, menos vistosos ou apresentarem uma produção até 30% mais deficiente. Apesar da modificação visível, tal percepção, porém, ocorreu de forma tardia no Brasil.
Para o biólogo Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente que trabalha com abelhas sem-ferrão há mais de 15 anos, nosso país ainda se encontra em estágio embrionário da utilização delas na agricultura, em relação a outros países. “Durante muito tempo, expandir a área para produzir mais era algo fácil de ser feito no Brasil. Hoje, a gente quer produzir mais em menos área e, para isso, tivemos que passar por uma mudança de concepção”, afirma ele.
Segundo a bióloga Yara Sbrolin Roldão-Sbordoni, que trabalha com abelhas desde 2007 e pesquisa o impacto desses insetos na agricultura brasileira pela USP de Ribeirão Preto, foi a partir de 2018 que um cuidado mais inteligente com esses seres começou a ser aplicado seguindo as tendências. “Em países como os Estudos Unidos o forte da apicultura não é o uso das abelhas para a produção de mel, mas sim para a polinização. A amêndoa produzida lá, por exemplo, depende 100% desse processo”, contextualiza.
Garantir o sucesso na geração de alguns produtos, dessa forma, exige a “adoção” de abelhas. Em um processo semelhante a um aluguel, apicultores e meliponicultores negociam colmeias a serem levadas na época da florada para os cultivos agrícolas e retiradas, através de caixas, após a passagem do tempo pré-determinado. O valor dessa “mão de obra” varia de acordo com a área da propriedade e, em algumas circunstâncias, cada caixa de abelhas pode custar R$ 50.
Marcelo Ribeiro trabalha com os animais há mais de duas décadas e, há pelo menos um ano, realiza o aluguel de abelhas. Ele, que acumula mais de 800 colmeias para a produção de própolis e quase 500 para a polinização de morango e café, reforça que apicultores e donos das fazendas devem ser cadastrados no IBAMA. “Esse serviço de polinização assistida tem sido cada vez mais procurado e, tanto para o pequeno produtor quanto para o grande, o impacto da polinização feita por abelhas é o mesmo”, acrescenta o meliponicultor.
O produtor rural Junior José da Silva percebeu a diferença causada pela presença das abelhas em sua propriedade na cidade de Jacuí (MG). Na área de 4,7 hectares, os mais de 15 mil pés de cafés plantados são polinizados pelos insetos que ocorrem em uma reserva próxima. “Eu senti que a minha produção aumentou, o grão do café passou a ficar melhor e o principal: o sabor. A minha bebida agora é sempre muito boa e me pagam até mais por conta disso”, conta ele.
A abelha certa no lugar certo
Mas ter abelhas por perto não é garantia de sucesso na produção. Com quase 3 mil espécies vivendo hoje no Brasil, a polinização efetiva é o resultado da análise de muitos fatores. “Não é pegar a abelha e colocar ela lá. Deve haver água nas proximidades, áreas de sombra, é necessário realizar uma análise do campo e, principalmente, estudar o tipo floral”, define a pesquisadora Yara Roldão.
Entender a reprodução das plantas é um passo para detectar quais são as abelhas mais eficientes: os grãos de pólen devem ser retirados da antera (parte masculina da flor) e levados ao estigma (parte feminina onde há óvulos para gerar uma nova planta). Em flores muito pequenas, apenas espécies igualmente diminutas conseguem alcançá-las. E o mesmo ocorre com as grandes: “abelhas pequenas não conseguem polinizar o maracujá, com a flor enorme, e é aí que entram as mamangavas, as mais eficientes na polinização”, explica a bióloga.
No combate à desinformação
Defensivos agrícolas são hoje os principais inimigos à vida das abelhas. A pesquisadora Yara Roldão explica os dois possíveis efeitos que eles geram no organismo desses insetos: “um deles é capaz de matar as abelhas na hora, já o outro faz com que o indivíduo carregue a substância para dentro da colônia e isso cause a morte das crias, o desenvolvimento de problemas cognitivos (afetando na memória e aprendizagem dos insetos) e a consequente redução de populações”.
Tão difícil quanto driblar esses compostos é convencer produtores a substituírem o uso de alguns agroquímicos que afetam as abelhas por defensivos que tenham como base produtos naturais. Cristiano Menezes, porém, avalia o cenário como solucionável e afirma já ver mudanças consideráveis. “A Embrapa tem contribuído fortemente para pesquisas sobre a mortalidade de abelhas e o impacto de pesticidas. O químico é uma ferramenta importante e, se for usado corretamente, não é inimigo delas. O que vamos ver no futuro, em relação a essas informações produzidas, é uma mudança nas regras de uso dos produtos”, ressalta.
Além de conscientizar sobre os defensivos agrícolas, os pesquisadores ainda enfrentam o desafio de educar sobre as abelhas, já que muitos temem a presença delas. O receio de uma ferroada, porém, é uma marca do desconhecimento e do contato com as espécies “estrangeiras”, introduzidas no Brasil. “Muita gente não conhece as abelhas sem ferrão e as abelhas solitárias, nativas do nosso país. A primeira coisa que você ouve ao falar de colocar abelhas em uma área é o temor do produtor pelo risco do ferrão”, comenta Yara Roldão.
O aumento do contato com as abelhas sem-ferrão ascendeu mercados importantes como o da polinização, apontado por Cristiano Menezes como uma das tendências do futuro. “Acho que essa se tornará uma das áreas mais relevantes por três motivos: o primeiro é estarmos observando a redução no uso de pesticidas e utilização de controles de pragas que não coloquem as abelhas em risco, o segundo ponto é o aumento no volume de informações científicas e o terceiro é o ganho na tecnologia de criação de abelhas”, reforça ele.
As mudanças nas dinâmicas do campo parecem já ser sentidas no bolso de meliponicultores. “Hoje, nas abelhas sem ferrão, a minha maior fonte de renda é o aluguel de colmeias, porque a produção de mel delas é muito pouca e a produção de própolis não tem um mercado tão conhecido”, comenta Marcelo Ribeiro
Fiscais do campo
Como as abelhas são indicadores de que a área está bem conservada, os pesquisadores analisam que elas se tornarão aliadas dos produtores com boas práticas agrícolas. “Quando o agricultor utilizar métodos que não são permitidos, vai se tornar evidente quando as abelhas morrerem. E, futuramente, nas gôndolas de mercados poderemos ver indicações como “esse tomate foi polinizado por abelhas”, um selo que traz muita informação positiva para o consumidor”, afirma o pesquisador da Embrapa.
Fonte: G1 – Gabriela Brumatti, Terra da Gente
Crédito das imagens: Cristiano Menezes