Polinizadores e produtividade das macieiras

Por Betina Blochtein

A ciência pode ser uma importante aliada dos produtores de maçã, gerando aprendizados que podem contribuir para o aumento da produtividade e da qualidade das macieira. Como os agricultores já sabem, o cultivo de maçã é muito dependente do serviço realizado por polinizadores. Um estudo de 2007 já havia apontado que a macieira depende entre 40% e 90% de insetos para a fecundação das flores. E não há dúvidas de que as abelhas são as melhores aliadas dos produtores nesse sentido –  se comparado a outros insetos.

Agora, novos estudos sobre a polinização de macieiras mostram que os pesquisadores estão atentos à importância dessa cultura tão importante no Sul do País. Dois trabalhos recentes, em particular, podem ajudar o agricultor a entender melhor esses agentes polinizadores e a tomar melhores decisões que ajudem o trabalho das abelhas e, consequentemente, garantam um aumento de produtividade e renda.

Em sua dissertação de mestrado, em 2016, a bióloga Jenifer Dias Ramos, da Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, avaliou o desempenho da polinização realizada por Apis mellifera nos dois principais sistemas de plantio de macieiras adotados pelos agricultores. Um deles é o mais comum nos pomares gaúchos, o de retângulo, que adota linhas simples da cultivar produtora alternadas com linhas da cultivar polinizadora. O segundo é o emprego da cultivar produtora em linha intercalada com plantas de macieira selvagens (floríferas), que fornecem maior quantidade de grãos de pólen compatíveis para a fertilização dos óvulos.

O estudo foi conduzido na safra 2014/2016 em um pomar comercial que continha os dois sistemas, localizado em Caxias do Sul (RS). Lá, Jenifer avaliou a produtividade, incluindo tamanho dos frutos e números de semente. Em outra etapa, foi avaliado o comportamento durante a visita de 104 abelhas em flores da cultivar Gala e 99 abelhas em flores da cultivar Fuji, totalizando 203 abelhas, em um pomar experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), em São Joaquim (SC).

A conclusão mais importante foi que o sistema de plantio com floríferas favorece a polinização das flores de macieiras. O peso médio e o número total de frutos por sistema de plantio não diferiram consideravelmente. Entretanto, os frutos provenientes do sistema de plantio com floríferas apresentaram mais sementes (seis, em média) do que os oriundos do sistema de plantio convencional (cinco, em média). Além disso, 40% destes frutos apresentavam sementes em todos os carpelos, enquanto apenas 27% dos frutos provenientes do sistema de plantio convencional seguiram esse padrão. Isso se explica pelo comportamento de coleta de néctar e pólen feito pela Apis mellifera, que voa majoritariamente na mesma linha.

figura 1 artigo Bettina macieiras

 

Figura 1: Percentual de frutos provenientes dos sistemas de plantios em Caxias do Sul (RS), segundo as categorias de distribuição de sementes propostas por Sheffield (2014)

Embora nesse trabalho a simetria não tenha sido analisada, a bióloga bem observou que os frutos provenientes do sistema de plantio com floríferas serão mais simétricos, devido ao maior número de sementes apresentadas e sua distribuição entre os carpelos. Vale lembrar que o peso e a simetria da maçã são características que agregam valor econômico ao produto.

As conclusões desse estudo são um bom exemplo de como é importante que o agricultor esteja bem subsidiado de informações antes de montar o seu pomar. Esse conhecimento irá impactar no resultado futuro da colheita. Já a segunda pesquisa traz fundamentos para que o produtor consiga incrementar o desempenho da polinização por meio de pequenas ações.

macieira 2 redEm 2016, um trabalho coletivo de nove pesquisadores levantou os principais visitantes florais e potenciais polinizadores da cultura da macieira. A equipe foi à campo em 2013 e 2014 para realizar coletas de insetos que visitavam as flores dos pomares de macieira (cultivares Fuji e Gala) nos municípios de Antônio Prado, Caxias do Sul e Farroupilha, no Rio Grande do Sul, e de São Joaquim, em Santa Catarina. O levantamento foi publicado no Informe Técnico da Embrapa no 184.

Essa fauna incluía espécies de abelhas (Apis mellifera e abelhas sem ferrão), vespas, besouros e moscas. Muitos desses insetos são sabidamente polinizadores. Outros ainda carecem de estudos mais aprofundados. De qualquer forma, o trabalho pode ser útil aos produtores de maçã, pois traz recomendações para melhorar o manejo dos polinizadores nos pomares de macieira. Ao atrair esses insetos, os pomicultores podem obter resultados melhores na qualidade do fruto e na produtividade dos pomares.

Uma das dicas é disponibilizar uma grande diversidade de plantas em áreas no entorno das plantações, dando preferência às plantas nativas – o que inclui também recompor áreas de proteção permanente (APPs) e de reserva legal (RLs). O estudo sugere ainda identificar as flores visitadas por abelhas e incorporar plantas que floresçam durante todas as estações do ano, de forma a não competir com a floração da macieira. A ideia é incrementar a oferta de flores e locais onde mais abelhas possam nidificar, o que irá elevar o serviço de polinização durante a floração dos pés de maçã.

Vale destacar que o levantamento identificou a visita de quatro espécies de abelhas sem ferrão potenciais polinizadores da cultura. O consórcio entre produção de maçã e meliponicultura poderia ser uma estratégia para aumentar a produtividade da cultura através dos serviços de polinização prestados por estas abelhas. Um estudo na Bahia mostrou que, para a cultivar Eva, a utilização de 12 colmeias de mandaçaia (Melipona quadrifasciata) juntamente com sete colmeias de Apis mellifera aumentou a produção de frutos em 47% em relação ao uso somente de Apis mellifera.

Assim, uma das 17 recomendações do trabalho é justamente adotar a atividade de meliponicultura. Afinal, a criação racional de abelhas sem ferrão disponibiliza polinizadores para os pomares de macieira e ainda pode agregar renda à propriedade através da produção de mel, enxames e outros produtos.

Em comum, esses dois estudos científicos têm o mérito de mostrar o quanto a atividade agrícola e a conservação do meio ambiente podem andar juntas se tiverem a ciência como aliada. Ganham os produtores e ganham as abelhas. E, assim, ganhamos todos nós.

Betina Blochtein é Professora Titular da Escola de Ciências e Diretora do Instituto do Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) e conselheira científica da A.B.E.L.H.A.

Crédito da imagem em destaque: PUC-RS

Artigo publicado originalmente no Jornal Agapomi #286 (março 2018)