Estudo publicado na Science confirma papel de polinizadores na produtividade agrícola

caféEmbora estejam mais escassos no campo, por causa da redução da área das matas e do uso intensivo de fertilizantes químicos, as abelhas e outros insetos polinizadores respondem em média por 24% do ganho em produtividade agrícola em pequenas propriedades rurais (até dois hectares). Os outros 76% estão associados à irrigação e a nutrientes e técnicas de cultivo, de acordo com estudo publicado na revista Science em 22 de janeiro. Segundo esse trabalho, quanto maior o número de polinizadores, maior tende a ser a produtividade agrícola, principalmente nas pequenas propriedades.

A pesquisa foi financiada pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), integra-se ao Projeto Polinizadores do Brasil, do Ministério do Meio Ambiente, que também teve financiamento do CNPq e do Fundo do Agronegócio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Foi coordenada por Lucas Garibaldi, da Universidade Nacional de Rio Negro e diretor do Instituto de Investigaciones en Recursos Naturales, Agroecología y Desarrollo Rural, da Argentina.

O estudo teve a participação de 35 pesquisadores de 18 países, sendo 14 do Brasil, por meio de 12 instituições de pesquisa em oito Estados.

Estudos anteriores já haviam ressaltado a importância dos polinizadores para a agricultura e fornecido uma estimativa dos ganhos de produtividade com polinização por abelhas, equivalente a 10% do valor da produção agrícola. Não existiam, no entanto, análises numéricas tão detalhadas sobre os benefícios econômicos dos polinizadores auferidas pelos mesmos critérios em escala mundial.

Polinizadores e cultivos

macieiraNesse trabalho, os pesquisadores analisaram o número de polinizadores, a biodiversidade e o rendimento de 33 cultivos dependentes de polinizadores (maçã, pepino, caju, café, feijão, algodão e canola, entre outras) em 334 propriedades pequenas e grandes da África, Ásia e América do Sul durante cinco anos (2010-2014), por meio de métodos padronizados e uniformes.

Nos 12 países analisados, o rendimento agrícola cresceu de acordo com a densidade de polinizadores, indicando que, inversamente, populações reduzidas de abelhas e outros insetos poderia ser parcialmente responsáveis pela queda de produtividade.

“Demonstramos o potencial do aumento da densidade de polinizadores como forma de aumentar a produtividade agrícola”, disse Antonio Mauro Saraiva, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Computação (Biocomp) e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que participou do trabalho de organização, registro e análise dos bancos de dados. Para as pequenas propriedades, o ganho de produtividade depende da quantidade de polinizadores e não está ligada à diversidade desses insetos na propriedade. Para as grandes fazendas, em contrapartida, a única forma de se tornarem mais produtivas seria aumentar tanto a quantidade de polinizadores quanto a diversidade de plantas e animais na área cultivada.

“O que mais contribuiu para a diferença entre as taxas de produção mais altas e mais baixas foi o aumento na densidade de polinizadores”, disse Leandro Freitas, pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e um dos autores do trabalho. “O incremento no uso de técnicas convencionais de intensificação agrícola, como o uso de fertilizantes sintéticos e monoculturas, apresentou uma contribuição equivalente à dos polinizadores.”

Freitas examinou o cultivo de tomates no norte do Estado do Rio de Janeiro com a equipe de Maria Cristina Gaglianone, da Universidade Estadual do Norte Fluminense. “O grau de informação técnica dos produtores era muito baixo”, ele observou. “Muitos não sabiam que a visitação das flores por abelhas estava relacionada à produção dos tomates.”

Um estudo recente da equipe de Breno Freitas, professor da Universidade Federal do Ceará , indicou que a soja, assim como o tomate e outros cultivos, não depende de polinizadores, mas pode aumentar sua produtividade com eles.

cajueiroPara o estudo da Science, o pesquisador contribuiu com dados sobre a cultura do caju.“O trabalho mostra o impacto positivo potencial na produção agrícola resultante do aumento de polinizadores nas culturas”, explica Breno Freitas. “Percebemos também que, em propriedades pequenas, a redução do déficit de polinizadores com aumento na produtividade pode ser alcançada apenas com o aumento da quantidade de polinizadores visitando as flores. Já nas grandes propriedades, além disso, é necessário ainda aumentar a diversidade de espécies de polinizadores nos cultivos”, explica o pesquisador.

 

 

Maçãs

“Uma das principais contribuições desse estudo é a constatação de que é possível conciliar agricultura com conservação da biodiversidade e ter como resultado o aumento da produtividade agrícola. Nessa relação os dois lados saem ganhando. O estudo também abre uma janela de oportunidade de mudança para o novo paradigma da sustentabilidade, por meio da intensificação ecológica da agricultura”, explica Blandina Viana, da UFBA, pesquisadora responsável pela cultura da maçã.

O grupo de Blandina investigou um cultivo de maçãs, da variedade Eva, durante três anos, na Chapada Diamantina, na Bahia. A maçã é uma cultura autoincompatível, portanto, para a produção de frutos, ela requer o plantio consorciado de uma variedade receptora e uma variedade doadora de pólen, sendo os polinizadores essenciais para a transferência dos grãos de pólen entre as duas variedades.

maçã-1“Observamos a existência de déficit dos serviços de polinização, afetando negativamente a produtividade da macieira, provocado pela baixa riqueza e densidade de visitantes florais”, ressalta. Apenas seis espécies foram amostradas em visita às flores da macieira, e com abundância insuficiente para suprir a demanda dos serviços de polinização. “Realizamos também experimentos de adensamento do pomar com colmeias manejadas, para compensar o déficit, com uma única espécie e com duas diferentes espécies de abelhas,  e observamos que a adição de uma espécie a mais de abelha manejada no pomar já foi suficiente para aumentar em  67 % a produção de sementes e 44 % a produção de frutos.”

Garibaldi, o coordenador do trabalho, percorreu as plantações de framboesa da Patagônia e observou: “A visão dos agricultores tem mudado nos últimos anos, mas ainda não dão muita importância aos polinizadores. A prioridade é o retorno econômico de curto prazo, sem uma visão de longo prazo.” Ele ressaltou: “Existem alternativas ao modelo mais adotado de produção agrícola, com base em monocultura e fertilizantes”.

Os autores do artigo da Science ressaltam o conceito de intensificação ecológica, que consiste em adotar medidas de promoção da biodiversidade capazes de aumentar a produtividade agrícola, sem abandonar as práticas convencionais. Essas medidas podem oferecer condições de vida mais amigáveis aos polinizadores, como o plantio de plantas com flores em faixas dos terrenos ou à margem das estradas, a construção de cercas-vivas, a redução do uso de pesticidas e a recuperação das matas nativas próximas aos cultivos.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP – Carlos Fioravanti -, Science e A.B.E.L.H.A.