“E agora? Qual a estratégia do Brasil para cumprir sua parte no Acordo de Paris?”

O inédito Acordo de Paris, firmado na COP 21, é o primeiro movimento indicativo da intenção mundial de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e conter o aquecimento global e suas implicações sobre a vida e a biodiversidade. O feito foi comemorado com entusiasmo por todos os presentes na Conferência, líderes mundiais, organizações governamentais e cientistas mundo afora.

conservação compressedEduardo Assad, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária há 29 anos e um dos maiores especialistas em mudanças climáticas do Brasil, reforçou o coro. “Foi um acordo ousado, uma proposta mais ambiciosa do que era esperada”, acredita. Segundo ele, trata-se do melhor acordo desde a Rio 92.

Passada a surpresa do resultado, Assad volta seu pensamento à prática do acordo: “E agora? Qual a política estratégica que o Brasil vai adotar para cumprir a sua parte?”.

Em entrevista à A.B.E.L.H.A., o pesquisador tratou dos principais pontos que, em sua visão, são sensíveis no País, da funcionalidade da biodiversidade e do compromisso que tanto o poder público quanto o privado precisam assumir para seguir no caminho da produção de alimentos e energia de maneira mais limpa e sustentável.

“O Brasil é protagonista e tem uma excelente oportunidade para aproveitar e dar exemplo, servir de referência. Temos resultados científicos, tecnologia, competência em agricultura tropical, políticas públicas. É preciso mostrar ao mundo que há opções para reduzir as emissões e nós temos soluções que podem ser reproduzidas.”

A.B.E.L.H.A. – Como você avalia os resultados da COP 21?

Eduardo Assad – Foi um avanço enorme, sem dúvida. Um bom acordo que mostrou que há um interesse mundial pela mudança e sepulta definitivamente o questionamento sobre a ocorrência do aquecimento global. O que preocupa muito é que o Brasil precisa fazer um esforço concreto pela redução das emissões e tomar uma decisão sobre os combustíveis fósseis. Como o Governo vai se posicionar? Como fica o pré-sal? Como ficam os investimentos em bioenergia, a produção de etanol? Como ficam os recursos para a ciência, visto que, sem ela, não há redução? São respostas necessárias para que o País desenhe sua estratégia e tome medidas consistentes, acerte seu rumo.

Além disso, é preciso ressaltar que o Acordo não trata de metas específicas, nem de obrigatoriedade dos países que irão ratificar o documento. Como será feito, por exemplo, o monitoramenrto de recuperação de pastagens? Ainda não há método para isso.

A.B.E.L.H.A. – Qual o papel do Brasil na redução da emissão de gases de efeito estufa?

Eduardo Assad – O Brasil é protagonista e tem uma excelente oportunidade para aproveitar e dar exemplo, servir de referência. Temos resultados científicos, tecnologia, competência em agricultura tropical, políticas públicas. É preciso mostrar ao mundo que há opções para reduzir as emissões e nós temos soluções que podem ser reproduzidas. Vejo claramente que há no País um interesse pela mudança, tanto no setor público quanto no privado. Mas é preciso realizar o famoso “trabalho de formiguinha” e, acima de tudo, assumir o compromisso. No que diz respeito à redução do desmatamento da Amazônia, os resultados são muito bons, foi feito um bom trabalho, que deve ser mantido.

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A.B.E.L.H.A. – E na agricultura?

Eduardo Assad – Entendo que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é das iniciativas mais importantes dos últimos 50 anos para a agricultura sustentável. Pois não apenas vai prover um mapeamento da situação das áreas nativas como também ajudar a combater de maneira mais eficiente o desmatamento e promover o reflorestamento, por força de lei. Também é preciso mencionar o Plano ABC, para uma agricultura de baixa emissão de carbono. Mas a recuperação de pastagens degradadas, por exemplo, que faz parte do plano, não está sendo feita. O programa teve inclusive redução de investimentos este ano. É esse tipo de ação que não combina com o discurso.

A.B.E.L.H.A.Do ponto de vista da conservação da biodiversidade, as medidas que deverão ser tomadas para conter a elevação da temperatura são adequadas?

Eduardo Assad – Com o aumento da temperatura em 2°C ou  3°C, a chance de ter dias sucessivos com temperaturas acima de 28°C é muito grande. Essa situação afetaria diretamente os polinizadores, por exemplo, e consequentemente a produção de alimentos e a manutenção de áreas de conservação. O impacto seria enorme. A FAO tem uma preocupação muita clara quanto a isso e que deve ser preocupação de todos. Tudo o que diz respeito à biodiversidade não é possível realizar no curto prazo, e é preciso que haja maneiras de viabilizar economicamente as ações. Dou um exemplo simples, a questão da escassez de água em São Paulo. A cidade de Nova Iorque começou a pensar na conservação da água há 84 anos, recompondo a vegetação de nascentes e criando áreas de conservação. Custa caro? Claro que sim. Mas qual o custo da falta d’água para a população? Se não nos preocuparmos hoje com a segurança hídrica, energética e alimentar, as gerações futuras terão uma realidade muito preocupante.

 

A.B.E.L.H.A. – Diante de tudo o que vem acontecendo, ainda há quem conteste o aquecimento global? Os resultados da COP 21 não revelam um consenso?

Eduardo Assad – O consenso é maior hoje, sem dúvida, porque evoluímos e o conhecimento sobre o tema foi difundido. Alguns grupos, especialmente nos Estados Unidos e ligados à indústria do petróleo, ainda questionam, porque a versão da negação é mais conveniente. A verdade é que o aquecimento global não é questão de opinião, mas sim de ciência. É decorrência de análise extensiva de fatos, dados e números que apontam um processo de transformação do clima ao longo das últimas décadas, acelerado pelos gases de efeito estufa, e que vem causando eventos extremos em diferentes pontos do mundo. O Acordo de Paris sepultou a negação do aquecimento global.

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Ficha técnica

Entrevistado: Eduardo Assad

Instituição: Embrapa Informática Agropecuária – Laboratório de Modelagem Ambiental

Tema: Acordo de Paris